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Juiz que ordenou soltura de presos em MG resolve largar a carreira
TJ decide hoje aposentadoria compulsória de Livingsthon Machado, acusado de desrespeitar decisão superior em 2005; ele diz que não teve direito de defesa
FREDERICO VASCONCELOS
ENVIADO ESPECIAL A CONTAGEM (MG)
Afastado desde 2005, quando determinou a soltura de 59
presos que cumpriam pena ilegalmente em delegacias superlotadas na comarca de Contagem (MG), o juiz Livingsthon
José Machado, 46, resolveu
abandonar a magistratura.
O caso chamou a atenção para a situação caótica do sistema
carcerário e desafiou o discurso
do governador Aécio Neves
(PSDB) de que a segurança pública era uma prioridade.
O juiz diz que foi punido sem
direito de defesa. Em abril último, recusou a remoção compulsória para uma vara cível. O
Tribunal de Justiça de Minas
reúne-se hoje para decidir sua
aposentadoria compulsória.
Leia, a seguir, trechos da entrevista de Machado, que deve
publicar no segundo semestre
o livro "A Justiça por Dentro:
Abrindo a Caixa-Preta".
FOLHA - Qual era a situação carcerária quando o sr. assumiu a Vara de
Execuções Criminais em Contagem?
LIVINGSTHON JOSÉ MACHADO - À
época [2005], havia seis unidades prisionais [em delegacias] e
uma prisão de segurança máxima. As seis delegacias tinham
presídios em situação irregular.
Num distrito, em razão do excesso de presos, o delegado pôs
uma grade no corredor, que virou uma cela com 28 presos.
FOLHA - Por que o sr. determinou a
primeira soltura de presos?
MACHADO - Naquele distrito, 16
presos cumpriam pena ilegalmente. Ordenei a transferência
deles depois que o Ministério
Público pediu a interdição do
presídio. Como foi vencido o
prazo e não houve a transferência, expedi 16 alvarás de soltura.
O Estado, através da Procuradoria, ajuizou um mandado
de segurança, dizendo que a decisão contrariava o interesse
público. O desembargador Paulo César Dias deu a liminar e
suspendeu a ordem de soltura.
Duas semanas depois, a situação em outro distrito era
caótica. Em quatro celas, cada
uma com capacidade para 4
presos, havia 148, dos quais 39
esperavam transferência para a
penitenciária havia quatro
anos. Também expedi mandado de soltura para os 39. Novo
mandado de segurança foi impetrado e nova liminar foi dada.
FOLHA - Ficou caracterizado que
houve desobediência sua?
MACHADO - A alegação foi que
eu desobedeci reiteradamente
a decisão do desembargador.
Não houve isso. No dia 22 de
novembro de 2005, um juiz
corregedor me avisou que eu
seria afastado no dia seguinte.
Fui afastado sem possibilidade de defesa. Só fui intimado
para responder a esse processo
em março do ano seguinte. Em
setembro de 2007, a corte decidiu o meu afastamento. Apesar
de a lei dizer que juiz só pode
ser afastado por decisão de dois
terços, esse quórum não foi alcançado. Só um desembargador examinou as provas. Votou
pela minha absolvição.
FOLHA - Como o Ministério Público
atuou no caso?
MACHADO - Nomeou uma comissão de dez promotores para
apurar possíveis crimes que eu
teria praticado. Quando foi assassinado um promotor em Belo Horizonte, a Procuradoria
designou três promotores.
FOLHA - Qual foi a reação dos juízes
de primeiro grau?
MACHADO - A associação dos
magistrados fez uma nota depois do meu afastamento, dizendo que era inadmissível
aquela ingerência. Houve solidariedade de juízes de outros
países. Independentemente de
chamar a atenção ou não, eu faria o que fiz. No país há um descaso com a população carcerária. O que fiz foi cumprir o dispositivo constitucional de que a
prisão ilegal deve ser relaxada.
FOLHA - Como o sr. recorreu das
decisões?
MACHADO - Assim que o tribunal decidiu me afastar, recorri
em mandado de segurança aqui
no tribunal. Foi denegado.
Contra essa decisão, impetrei
um recurso ordinário que tramita no Superior Tribunal de
Justiça. Publicada a decisão do
tribunal daqui, entrei com recurso no Conselho Nacional de
Justiça em 10 de outubro de
2007. Ficou um ano e meio sem
o então corregedor despachar.
Foi distribuído ao relator Paulo
Lobo, que, após alguns meses,
disse que não conhecia da revisão [não seria o caso de julgar],
porque eu já havia ajuizado recurso ordinário no STJ.
Eram coisas diferentes. No
CNJ, alego que não houve desobediência. No STJ, contesto a
decisão do tribunal. Contra essa denegação do CNJ, há um
mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, cujo
relator é o ministro Menezes
Direito, que indeferiu a liminar. Agora, o tribunal em Minas
abriu processo para minha aposentadoria compulsória.
FOLHA - Por que o sr. não aceitou a
remoção para uma vara cível?
MACHADO - Há recursos a serem decididos. Se eu assumisse,
estaria aceitando a punição.
FOLHA - O governo do Estado alega
que acelerou a construção e a melhoria de presídios. É verdade?
MACHADO - Aqui, em Contagem, as unidades prisionais
deixaram de existir em 2007.
Hoje, só existe a penitenciária.
De certa forma, foi um dos efeitos da ação. Não tem mais preso
condenado em delegacia aguardando vaga na penitenciária.
Foi criado um centro de internação provisória. Mas, num
distrito investigado pela CPI do
Sistema Carcerário, viram que
a situação continuava grave.
FOLHA - Quando o sr. decidiu que
iria deixar a magistratura?
MACHADO - Quando vi a Constituição sendo rasgada.
Leia a entrevista completa
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