São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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PATRIMÔNIO

Construção é semelhante à do aqueduto da Lapa, cartão-postal do Rio

Floresta guarda aqueduto de 300 anos

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Ambientalistas que percorriam as matas da Colônia Juliano Moreira (unidade de tratamento psiquiátrico na Taquara, zona oeste do Rio) localizaram, coberto pela mata atlântica, um aqueduto de cerca de 3 km de extensão de quase 300 anos. A descoberta é preciosa por causa da raridade arquitetônica da construção.
O bom estado de conservação do aqueduto o torna único na América do Sul, de acordo com o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Ele foi construído por escravo no século 18, para levar água a um engenho de cana-de-açúcar.
Os técnicos do Iphan estão entusiasmados. Eles já realizaram três vistorias após a descoberta do aqueduto, esquecido em meio à floresta fechada, em área administrada pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Em relatórios encaminhados à 6ª Superintendência Regional do Iphan -responsável pelos Estados do Rio e do Espírito Santo-, os técnicos José Grevy Alves (arquiteto) e João Carlos Gomes (biólogo e arqueólogo) sugerem o tombamento do aqueduto.
Até a descoberta, em 3 de março de 2002, só era conhecido, e tombado pelo Iphan em 1958, o trecho final do aqueduto, construção nos moldes dos arcos da Lapa, um dos cartões-postais do Rio. Sete arcos resistem ao abandono e à falta de conservação. Originalmente, eram nove. Dois desmoronaram.
A diferença entre os dois aquedutos é que, no da Lapa, não houve a preservação da rede de captação da água que abastecia o centro do Rio no século 18. A proteção da natureza propiciou que a construção similar da Juliano Moreira se mantivesse a salvo do crescimento urbano. Um terceiro aqueduto, o do Catumbi (bairro na região central), do mesmo período dos demais, já foi destruído.
Segundo os relatórios dos técnicos do Iphan, o chamado "aqueduto dos psicopatas" foi construído em seguida à inauguração do da Carioca (os arcos da Lapa são seus remanescentes), em 1723.
Construir um aqueduto foi o modo encontrado pelo comendador Antônio Telles de Menezes, dono de terras no Rio à época, de irrigar a fazenda da Taquara, onde tinha o engenho de Nossa Senhora dos Remédios, com plantações de cana-de-açúcar.
Com a decadência do ciclo açucareiro, por volta de 1730, a fazenda foi sendo aos poucos abandonada, o aqueduto deixou de ser usado, o mato cresceu em volta e a obra permaneceu escondida por, pelo menos, 150 anos.
Após a descoberta da relíquia setecentista, os próprios ambientalistas, liderados pelo presidente da ONG (organização não-governamental) SOS Floresta da Pedra Branca, Adilson Antônio de Lacerda, retiraram parte do mato que cobria 70% dos cerca de 3 km entre os arcos e o ponto de captação da água, em um açude ao lado da cachoeira do Engenho Novo, a 60 m de altitude.
Trechos que somam cerca de 1 km não puderam ser limpos. Estão aterrados ou foram construídos barracos e casas sobre os canaletes. A floresta onde fica o aqueduto está há cinco anos sob a administração da Fiocruz. No terreno de 5 milhões de metros quadrados, a fundação planeja instalar o campus de Jacarepaguá.
Do açude aos arcos, a água seguia por canaletes de 60 cm de profundidade por 40 cm de largura, com paredes de pedra e piso de cerâmica. Os canaletes são ladeados por um calçamento formado por blocos de pedra maciça, que descem pela montanha até os arcos. É essa espécie de caminho em meio à floresta que forma o conjunto arquitetônico em avaliação para tombamento pelo Iphan.
A natureza protegeu o aqueduto por muito anos. O homem não está sendo tão cuidadoso. Os canaletes têm sido pisoteados durante cavalgadas e aterradas para a construção de barracos e casas.
Agrava a situação o fato de morarem na área administrada pela Fiocruz cerca de mil pessoas de uma comunidade carente surgida na colônia há décadas.
O local apresenta precárias condições de saneamento. Não há rede de esgoto. As valas negras correm a céu aberto. A captação de água é a mesma de cem anos atrás. Os canos apodreceram.
A Fiocruz informa que só permite a entrada na área de moradores e convidados. Mas costumam ocorrer no terreno cavalgadas batizadas de ecológicas. Como os canaletes ficaram expostos a partir da limpeza do terreno, os cavaleiros usam trechos do aqueduto como trilha.


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