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MOACYR SCLIAR
Monkey Business Pinturas de macaco alcançam R$ 61 mil. Três quadros feitos pelo chimpanzé Congo foram arrematados em
leilão pelo norte- americano Howard
Hong. Mundo, 22.jun.2005
Ao saber da compra feita
por Hong (Hong! Só Hong!
Nem era o King Kong!), ele teve
um ataque de fúria. Há anos
pintava, há anos dedicava-se integralmente à arte -e não conseguia vender quadro algum, ainda
que seus quadros fossem (como
os de Congo, aliás) fortemente
abstratos. É o fim da arte, disse à
mulher:
- Até um chimpanzé vende quadros. Os verdadeiros artistas não
contam, não têm vez. Para os macacos, dinheiro. Para os pintores
como eu, uma banana. Banana
podre, ainda por cima.
Mas aquilo acabou dando-lhe
uma idéia. Porque também tinha
um macaco em casa. Não um
chimpanzé, para o qual não haveria espaço; seu macaco era um
mico chamado Cafuá, um macaquinho pequeno e muito esperto,
que chamava a atenção dos raros
visitantes do ateliê. Na verdade,
era muito mais conhecido como o
dono do Cafuá do que como artista. Por que não tirar proveito disso? Por que não repetir o caso
Congo?
Procurou um jornalista conhecido e contou uma história. Disse
que, no dia anterior, ao chegar
em casa, encontrara o mico macaqueando o dono: pincel e paleta
nas mãos, pintava um quadro.
Um quadro abstrato, naturalmente, mas que nada ficava a dever às obras do Congo. O jornalista, sem assunto, resolveu fazer
uma matéria a respeito, com fotos
de Cafuá e do quadro.
No dia seguinte choveram telefonemas no ateliê. Muitas pessoas, que sabiam da história do
chimpanzé Congo, e acreditando
num bom investimento, queriam
comprar o quadro. Que foi vendido por uma boa quantia.
A partir daí ele não teve mãos a
medir. Qualquer quadro que Cafuá supostamente pintasse tinha
comprador. Mais que isso, uma
galeria especializada organizou,
em parceria com uma cadeia de
pet shops, uma grande exposição
chamada "Arte Macaca", que até
foi levada a Miami, onde recebeu
o título, mais conveniente, segundo o empresário americano que
se encarregou da operação, de
"Monkey Business", negócio de
macaco.
O artista poderia ter mantido
esta situação durante muito tempo, não fosse uma infeliz idéia
que, numa tarde, lhe ocorreu. Resolveu dar pincel e tinta a Cafuá
para ver se o macaco sabia mesmo pintar. Sem vacilar, o mico
correu para uma tela e ali, em
questão de horas, retratou seu dono ao estilo renascentista, com
uma perícia e uma sensibilidade
que deixariam Leonardo da Vinci boquiaberto.
O artista agora vive um grande
dilema. Se mostrar o quadro, ninguém acreditará que a obra é de
Cafuá. E se não o mostrar privará
o mundo de um grande talento.
Poderia, claro, assumir ele próprio a autoria das obras; mas isso
não seria justo para com o talentoso mico. E, de qualquer jeito,
ninguém lhe daria importância
-como importância alguma lhe
haviam dado no passado. Só lhe
resta alimentar Cafuá com as
melhores bananas que encontra
no super. E pedir-lhe desculpas
diariamente.
Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às
segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas na Folha
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