São Paulo, segunda-feira, 27 de junho de 2005

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MOACYR SCLIAR

Monkey Business

 Pinturas de macaco alcançam R$ 61 mil. Três quadros feitos pelo chimpanzé Congo foram arrematados em leilão pelo norte- americano Howard Hong. Mundo, 22.jun.2005

Ao saber da compra feita por Hong (Hong! Só Hong! Nem era o King Kong!), ele teve um ataque de fúria. Há anos pintava, há anos dedicava-se integralmente à arte -e não conseguia vender quadro algum, ainda que seus quadros fossem (como os de Congo, aliás) fortemente abstratos. É o fim da arte, disse à mulher:
- Até um chimpanzé vende quadros. Os verdadeiros artistas não contam, não têm vez. Para os macacos, dinheiro. Para os pintores como eu, uma banana. Banana podre, ainda por cima.
Mas aquilo acabou dando-lhe uma idéia. Porque também tinha um macaco em casa. Não um chimpanzé, para o qual não haveria espaço; seu macaco era um mico chamado Cafuá, um macaquinho pequeno e muito esperto, que chamava a atenção dos raros visitantes do ateliê. Na verdade, era muito mais conhecido como o dono do Cafuá do que como artista. Por que não tirar proveito disso? Por que não repetir o caso Congo?
Procurou um jornalista conhecido e contou uma história. Disse que, no dia anterior, ao chegar em casa, encontrara o mico macaqueando o dono: pincel e paleta nas mãos, pintava um quadro. Um quadro abstrato, naturalmente, mas que nada ficava a dever às obras do Congo. O jornalista, sem assunto, resolveu fazer uma matéria a respeito, com fotos de Cafuá e do quadro.
No dia seguinte choveram telefonemas no ateliê. Muitas pessoas, que sabiam da história do chimpanzé Congo, e acreditando num bom investimento, queriam comprar o quadro. Que foi vendido por uma boa quantia.
A partir daí ele não teve mãos a medir. Qualquer quadro que Cafuá supostamente pintasse tinha comprador. Mais que isso, uma galeria especializada organizou, em parceria com uma cadeia de pet shops, uma grande exposição chamada "Arte Macaca", que até foi levada a Miami, onde recebeu o título, mais conveniente, segundo o empresário americano que se encarregou da operação, de "Monkey Business", negócio de macaco.
O artista poderia ter mantido esta situação durante muito tempo, não fosse uma infeliz idéia que, numa tarde, lhe ocorreu. Resolveu dar pincel e tinta a Cafuá para ver se o macaco sabia mesmo pintar. Sem vacilar, o mico correu para uma tela e ali, em questão de horas, retratou seu dono ao estilo renascentista, com uma perícia e uma sensibilidade que deixariam Leonardo da Vinci boquiaberto.
O artista agora vive um grande dilema. Se mostrar o quadro, ninguém acreditará que a obra é de Cafuá. E se não o mostrar privará o mundo de um grande talento.
Poderia, claro, assumir ele próprio a autoria das obras; mas isso não seria justo para com o talentoso mico. E, de qualquer jeito, ninguém lhe daria importância -como importância alguma lhe haviam dado no passado. Só lhe resta alimentar Cafuá com as melhores bananas que encontra no super. E pedir-lhe desculpas diariamente.


Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas na Folha

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