São Paulo, segunda-feira, 27 de junho de 2005

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REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Especialistas afirmam que gestação de dois ou mais bebês determinará desenvolvimento de países

Reduzir casos de gravidez múltipla vira meta

CLÁUDIA COLLUCCI
ENVIADA ESPECIAL A COPENHAGUE

O nascimento de múltiplos bebês, que se tornou freqüente no Brasil nas duas últimas décadas em razão do advento da reprodução assistida, já é considerado um problema de saúde pública devido aos riscos causados às mães, às crianças e pelo alto custo gerado ao sistema público de saúde.
Especialistas prevêem que a gestação de dois bebês ou mais tende a se tornar mais um indicador de desenvolvimento humano de um país -como é hoje a taxa de mortalidade infantil, por exemplo. Quanto maior o índice de gravidez múltipla, pior estará o país no ranking de desenvolvimento.
Na Europa, serviços de reprodução, especialmente os localizados nos países nórdicos, estão empenhados em reduzir o índice de gravidez múltipla -estimado em 25%, em média.
Esses países financiam o tratamento, mas orientam (ou determinam) que seja transferido um único embrião (de ótima qualidade) para o útero de mulheres com idade inferior a 37 anos nos procedimentos de FIV (Fertilização in vitro). Com a medida, os serviços reduziram pela metade o índice de múltiplos, com quase a mesma taxa de sucesso de gravidez quando comparado aos índices obtidos com a transferência de dois embriões.
O Brasil é um dos campeões do mundo em gravidez múltipla: 42% das gestações por FIV resultam em gêmeos, trigêmeos, quadrigêmeos e quíntuplos.
"A gravidez de triplos ou mais não é uma boa prática e deve ser evitada a todo custo. A gestação múltipla causa inúmeras patologias maternal, fetal e neonatal. São riscos evitáveis e os países devem se empenhar nisso", afirmou à Folha Jan Gerris, professor do departamento de fertilidade, ginecologia e obstetrícia do Hospital de Middelheim (Bélgica).
Nesses casos, há mais chances de a gestante ter pré-eclâmpsia, tromboembolismo e diabetes gestacional. O bebê pode nascer com baixo peso, má-formação congênita e complicações cerebrais.
Esse assunto foi um dos mais debatidos no congresso da Sociedade Européia de Embriologia e Reprodução Humana, ocorrido em Copenhague. Segundo estudos apresentados, 70% dos ciclos de FIV promovidos por clínicas européias envolvem hoje a transferência de um único embrião.
No Brasil, não há estimativa desse percentual. Uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) permite a transferência de até quatro embriões. Alguns médicos tentam convencer os casais mais jovens a transferir dois embriões, mas há resistência.
"O casal tende a não se preocupar com a gravidez múltipla. Ou por não acreditar que ela possa acontecer ou por achar que "depois se dá um jeito'", diz o médico José Gonçalves Franco Júnior, diretor da Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida.
Ainda assim, segundo ele, os médicos devem se empenhar em conscientizar as mulheres do perigo e promover a transferência de um embrião em pacientes selecionadas (jovens e sem tentativas anteriores de FIV, por exemplo).
Para o ginecologista Rui Ferriani, professora da USP de Ribeirão Preto, o fator financeiro é hoje um grande empecilho para que a FIV com um único embrião seja viável no Brasil tanto nos serviços públicos como nos privados.
Nos raros serviços públicos que dispõem do tratamento gratuito ou semi-gratuito, a grande procura pelo tratamento e a falta de recursos impossibilitam a repetição de ciclos seguidos. "É o cenário ideal, mas muito longe da realidade brasileira", afirma Ferriani, que dirige o serviço de reprodução do HC de Ribeirão.
O urologista Edson Borges afirma que tem conseguido convencer alguns casais a transferir um único embrião, explicando sobre os riscos da gravidez múltipla, mas confessa que seus argumentos caem por terra quando a primeira tentativa de FIV falha. "Eles se desesperam e querem transferir tudo o que for possível", diz.
Borges inicia no próximo mês um estudo com 60 pacientes para avaliar os índices de sucesso de gravidez com a transferência de um e de dois embriões. Foram selecionadas pacientes com menos de 37 anos, sem endometriose grave e que estavam tentando a gravidez há menos de cinco anos.
Para o ginecologista Artur Dzik, do Hospital Pérola Byngton, a taxa de múltiplos vai determinar o grau de desenvolvimento humano de um país.


A jornalista CLÁUDIA COLLUCCI viajou a convite do laboratório Ferring

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