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REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Especialistas afirmam que gestação de dois ou mais bebês determinará desenvolvimento de países
Reduzir casos de gravidez múltipla vira meta
CLÁUDIA COLLUCCI
ENVIADA ESPECIAL A COPENHAGUE
O nascimento de múltiplos bebês, que se tornou freqüente no
Brasil nas duas últimas décadas
em razão do advento da reprodução assistida, já é considerado um
problema de saúde pública devido aos riscos causados às mães, às
crianças e pelo alto custo gerado
ao sistema público de saúde.
Especialistas prevêem que a gestação de dois bebês ou mais tende
a se tornar mais um indicador de
desenvolvimento humano de um
país -como é hoje a taxa de mortalidade infantil, por exemplo.
Quanto maior o índice de gravidez múltipla, pior estará o país no
ranking de desenvolvimento.
Na Europa, serviços de reprodução, especialmente os localizados nos países nórdicos, estão
empenhados em reduzir o índice
de gravidez múltipla -estimado
em 25%, em média.
Esses países financiam o tratamento, mas orientam (ou determinam) que seja transferido um
único embrião (de ótima qualidade) para o útero de mulheres com
idade inferior a 37 anos nos procedimentos de FIV (Fertilização
in vitro). Com a medida, os serviços reduziram pela metade o índice de múltiplos, com quase a mesma taxa de sucesso de gravidez
quando comparado aos índices
obtidos com a transferência de
dois embriões.
O Brasil é um dos campeões do
mundo em gravidez múltipla:
42% das gestações por FIV resultam em gêmeos, trigêmeos, quadrigêmeos e quíntuplos.
"A gravidez de triplos ou mais
não é uma boa prática e deve ser
evitada a todo custo. A gestação
múltipla causa inúmeras patologias maternal, fetal e neonatal. São
riscos evitáveis e os países devem
se empenhar nisso", afirmou à
Folha Jan Gerris, professor do departamento de fertilidade, ginecologia e obstetrícia do Hospital
de Middelheim (Bélgica).
Nesses casos, há mais chances
de a gestante ter pré-eclâmpsia,
tromboembolismo e diabetes gestacional. O bebê pode nascer com
baixo peso, má-formação congênita e complicações cerebrais.
Esse assunto foi um dos mais
debatidos no congresso da Sociedade Européia de Embriologia e
Reprodução Humana, ocorrido
em Copenhague. Segundo estudos apresentados, 70% dos ciclos
de FIV promovidos por clínicas
européias envolvem hoje a transferência de um único embrião.
No Brasil, não há estimativa
desse percentual. Uma resolução
do CFM (Conselho Federal de
Medicina) permite a transferência
de até quatro embriões. Alguns
médicos tentam convencer os casais mais jovens a transferir dois
embriões, mas há resistência.
"O casal tende a não se preocupar com a gravidez múltipla. Ou
por não acreditar que ela possa
acontecer ou por achar que "depois se dá um jeito'", diz o médico
José Gonçalves Franco Júnior, diretor da Rede Latino-Americana
de Reprodução Assistida.
Ainda assim, segundo ele, os
médicos devem se empenhar em
conscientizar as mulheres do perigo e promover a transferência
de um embrião em pacientes selecionadas (jovens e sem tentativas
anteriores de FIV, por exemplo).
Para o ginecologista Rui Ferriani, professora da USP de Ribeirão
Preto, o fator financeiro é hoje um
grande empecilho para que a FIV
com um único embrião seja viável
no Brasil tanto nos serviços públicos como nos privados.
Nos raros serviços públicos que
dispõem do tratamento gratuito
ou semi-gratuito, a grande procura pelo tratamento e a falta de recursos impossibilitam a repetição
de ciclos seguidos. "É o cenário
ideal, mas muito longe da realidade brasileira", afirma Ferriani,
que dirige o serviço de reprodução do HC de Ribeirão.
O urologista Edson Borges afirma que tem conseguido convencer alguns casais a transferir um
único embrião, explicando sobre
os riscos da gravidez múltipla,
mas confessa que seus argumentos caem por terra quando a primeira tentativa de FIV falha. "Eles
se desesperam e querem transferir tudo o que for possível", diz.
Borges inicia no próximo mês
um estudo com 60 pacientes para
avaliar os índices de sucesso de
gravidez com a transferência de
um e de dois embriões. Foram selecionadas pacientes com menos
de 37 anos, sem endometriose
grave e que estavam tentando a
gravidez há menos de cinco anos.
Para o ginecologista Artur Dzik,
do Hospital Pérola Byngton, a taxa de múltiplos vai determinar o
grau de desenvolvimento humano de um país.
A jornalista CLÁUDIA COLLUCCI viajou a
convite do laboratório Ferring
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