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ANÁLISE
Barbárie à vista?
ANNA VERONICA MAUTNER
COLUNISTA DA FOLHA
Os pais, como todos os adultos, são sim responsáveis pelas
violências perpetradas por jovens, que ocorrem cada vez com
maior freqüência.
Somos todos culpados ou pelo menos temos a ver com o que
está ocorrendo. Deixamo-nos
influenciar, sem reagir, pelos
efeitos da difusão de uma psicanálise fora do contexto.
Se não estivéssemos imbuídos da idéia de que a origem do
erro está lá atrás, na infância,
como culpar pais, monitores,
babás só por terem acreditado
na falácia de que dor, desconforto, vergonha, humilhação
etc. são sempre letais ao ego em
formação e por isso devem ser
evitados a qualquer preço?
O lema é: ninguém deve se
ressentir de nada, muito menos
seres em formação devem ser
magoados. A conseqüência dessa ideologia de tortas raízes vai,
passo a passo, gerando seres incapazes de empatia, incapazes
de reconhecer o outro como seu
semelhante.
Pouco familiarizados com dores, vão infligi-las, sem saber o
quanto vai doer. Quero dizer
que é preciso sentir que a vergonha, por exemplo, que me machuca, machuca ao outro também. Assim, se eu quiser, até
posso humilhar alguém. Mas
pelo menos sei o que estou fazendo. E posso calcular a intensidade que eu quero.
Quando superpreservamos
crianças e jovens de todo medo,
de toda frustração, de qualquer
fracasso, da humilhação e da
vergonha, estamos impedindo
que aprendam o quanto dói
uma saudade, um fora, uma
pancada.
Quando diante de alguém diferente, um outro, desconhecido, de outra galera, ignoramos o
que eles têm de semelhante a
nós, a agressividade e a violência encontram um campo fértil
para aparecer. É aí, onde as pessoas se estranham, que aparecem vigorosos os maus colegas,
o mau patrão, o mau chefe e o
violento em geral.
Quando alguém se sente
ameaçado, reage. É natural. O
que surpreende é a discrepância
entre estímulo e resposta.
E mesmo que ele estranhe algumas coisas nesse outro, existem entre dois seres humanos
mais semelhanças do que diferenças. A violência desabrocha
onde as pessoas se estranham.
Quando estranhamos, pomo-nos a espernear, a bater, para
eliminar o ameaçador. A violência é sempre uma resposta
ao medo do desconhecido.
Quando se transforma em brincadeira, leviandade, estamos
diante de uma patologia.
Juntando que as novas gerações foram preservadas da
maioria dos desconfortos naturais da vida, é natural que tenham muito mais medo de tudo o que é estranho, já que conhecem muito menos do que
seria desejável.
Quem estranha muito tem
muito medo e perde fácil a estribeira. Estamos a um passo da
violência. Barbárie à vista?
ANNA VERONICA MAUTNER é psicanalista,
membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise
de São Paulo e colunista da Folha
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