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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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HABITAÇÃO

Maioria dos integrantes do acampamento erguido no terreno em São Bernardo do Campo não é militante do MTST

Lema de grupo é "ocupar, resistir e construir"

Juca Varella/Folha Imagem
O acampamento montado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em um terreno em São Bernardo do Campo (Grande ABC) pertencente à Volkswagen


DA REPORTAGEM LOCAL

O gari desempregado Wellington Luciano Novaes, 25, estava em casa com a mulher e os dois filhos no sábado, dia 19, numa favela do bairro Ferrazópolis, em São Bernardo do Campo (Grande ABC), quando uma Kombi passou veiculando pelo alto-falante uma mensagem que ele encarou como uma revelação.
"O carro de som chamava as pessoas que necessitavam de casa, e estavam dispostas a lutar por ela, para se engajarem na luta", lembrou Novaes em conversa com a Folha na quinta-feira, no terreno de 170 mil metros quadrados que pertence à Volkswagen e está ocupado por cerca de 6.000 pessoas -4.000, segundo estimativas da Polícia Militar.
Novaes, que mora de favor no barraco de parentes porque não tem dinheiro para pagar aluguel, sentiu que estava bem próxima, a menos de dois quilômetros, a oportunidade da casa própria. Imediatamente, foi anunciar a revelação ao restante da família.
No mesmo dia, Novaes, com a mulher e dois filhos -o mais novo de cinco meses-, mais sua irmã, também com dois filhos, seu irmão, pai de outras duas crianças, e a avó, de 65 anos, partiram rumo à terra prometida pelo alto-falante da Kombi.
Como a maioria dos demais ocupantes do terreno da Volkswagen, Novaes não conhecia nem integrava o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), que se tornou conhecido em fevereiro de 1997, quando realizou sua primeira ocupação em Campinas (95 km de São Paulo), no Parque Oziel, nome dado em homenagem ao sem-terra Oziel da Silva, um dos 19 mortos em Eldorado do Carajás (PA), em abril de 1996, durante confronto com a PM.
O acampamento em São Bernardo do Campo foi batizado de Santo Dias, em memória de um metalúrgico morto durante o regime militar, em 1979.
Para João Batista Costa, um dos coordenadores do MTST, o fato de a maioria não ser militante não é um problema. O lema do grupo é "ocupar, resistir e construir". Por isso, na ordem de prioridades do movimento, primeiro vem a ocupação; depois, a organização. Tanto é assim que até sexta-feira não havia nem mesmo um cadastro com os nomes das pessoas que estão no local. Essa providência será tomada caso o grupo consiga permanecer na área, que já teve a reintegração de posse concedida pela Justiça.
No sábado, quando ocorreu a invasão, havia 300 famílias em barracas de plástico improvisadas. Na segunda-feira, já eram 3.000 pessoas. E o número só fez aumentar. Os moradores de favelas e casas próximas viam a movimentação, juntavam algumas madeiras e entravam, como o desempregado Emerson Alves, 32, que na quarta-feira carregava nos ombros uns caibros, pelos quais pagou R$ 7, para poder armar uma barraca. "Tenho de pensar no futuro de meu filho", dizia sobre a criança de 10 anos da qual cuida sozinho.
Organização houve antes da invasão. A escolha do terreno da Volkswagen, explica Costa, aconteceu porque militantes do movimento detectaram que "a terra estava improdutiva havia anos".
Antes de fazer uma invasão, a coordenação preocupa-se em produzir um mapeamento do local, levantando, inclusive, a situação jurídica do imóvel.

Politização
"Tudo acontece dentro de um processo de luta", diz Costa. "Cada momento exige uma especificidade de trabalho." Na atual fase, a prioridade é constituir o acampamento e distribuir tarefas entre os integrantes do grupo.
Costa está convencido de que o engajamento acontecerá naturalmente. Para que isso ocorra, há um trabalho de "conscientização política". "Temos de produzir consciência para lutar por outros direitos que complementam o direito à moradia, como o trabalho, por exemplo."
Embora o MTST não seja ligado diretamente a nenhum partido político, bandeiras do PT, do PSTU e do PC do B tremulam pelo acampamento. Parlamentares desses partidos aparecem frequentemente para demonstrar apoio. Do lado de fora, há faixas de entidades como a Apeoesp (sindicato dos professores de escolas da rede estadual) e até mesmo uma bandeira com as cores do arco-íris, que representa os homossexuais.
A organização interna do acampamento tem como instância máxima a assembléia geral, da qual participam todos os invasores. Ali são tomadas as decisões.
Logo abaixo está a coordenação, integrada por 75 membros. Cada um deles é responsável por cerca de cem pessoas.
Eles estão divididos em cinco brigadas -Paulo Freire, Terra e Liberdade, Rosa Luxemburgo, Che Guevara e Pátria Livre.
Em cada brigada há cinco grupos de trabalho -saúde, educação, disciplina, infra-estrutura e almoxarifado.
Dentro do grupo de organizadores há alguns com mais experiências, como é o caso de Costa, que foi um dos organizadores da invasão em Campinas. Há também pessoas que vieram do Rio de Janeiro e de São Paulo. (CHICO DE GOIS)


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