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Crise na saúde revela poder das cooperativas
Estados como Paraíba, Espírito Santo e Pernambuco dependem desses contratos para compor o quadro de médicos
Atraídos por ganhos mais elevados e pelo poder de negociação das entidades, médicos deixam de lado
os concursos públicos
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
CINTIA ACAYABA
DA AGÊNCIA FOLHA
A greve dos médicos em Estados do Nordeste revelou um
fenômeno novo no país: governos estaduais e municipais têm
se tornado reféns das cooperativas médicas, que funcionam
como intermediárias entre as
instituições e os profissionais.
A avaliação é de pesquisadores e de gestores públicos, que
vêem com preocupação o avanço dessa força de trabalho no
SUS. Ao menos 20% dos 350
mil médicos brasileiros já estão
cooperativados, segundo a federação nacional dessas entidades (Fencom), que reúne 43
cooperativas no país.
O poder das cooperativas
chegou a um tal nível que Estados como Paraíba, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte
e Espírito Santo dependem delas para compor o quadro de
profissionais -sobram vagas
nos concursos públicos.
A equação é simples: desmotivados pelos baixos salários no
SUS, os médicos preferem deixar o serviço público -ou nem
ingressar nele- e se associar às
cooperativas. Assim, prestam
serviços tanto ao setor suplementar como ao público, chegando a triplicar seus ganhos.
"Fizemos um grande concurso, mas a gente não consegue
contratar os especialistas, eles
não participam", diz Anselmo
Tose, secretário da Saúde do
Espírito Santo.
Em Pernambuco, das 142 vagas oferecidas em uma seleção
em abril, só 86 foram preenchidas. Dos cerca de cem médicos
que pediram demissão neste
mês, 13 neurocirurgiões não
voltaram ao trabalho e querem
formar uma cooperativa, segundo a pasta da Saúde.
Na Paraíba, de 70% a 90%
dos profissionais mantêm vínculos com cooperativas. No
Ceará, a situação é semelhante:
cerca de 52% dos profissionais
dos hospitais são terceirizados
ou ligados a cooperativas.
"O Estado pode ficar refém
das cooperativas", diz João
Ananias, secretário da Saúde do
Ceará. Para Adelmaro Cavalcanti Júnior, secretário da Saúde do Rio Grande do Norte, em
seu Estado o risco já é realidade, com a dependência das cooperativas de especialidades.
O secretário da Saúde de Alagoas, André Valente, disse que
durante a greve dos médicos,
que terminou na quinta-feira,
foi cogitada a opção de contratar cooperativas, depois abandonada. "Experiências em outros Estados mostram que não
é a melhor alternativa. Elas sabem o poder que têm e podem
usar isso contra o Estado."
No Espírito Santo, por exemplo, os médicos recebiam no
máximo R$ 2.000 mensais no
serviço público.
Organizados em cooperativas, passaram a ganhar R$
6.000 pelas mesmas tarefas, segundo José Augusto Ferreira,
presidente da Fencom.
"A cooperativa torna o médico mais forte, dá mais segurança, como estamos vendo no
Nordeste. A cooperativa suporta um movimento desse", diz.
Lígia Bahia, pesquisadora do
Centro Brasileiro de Estudos
da Saúde, afirma que a disseminação das cooperativas fragiliza o sistema público de saúde.
"[Elas] Não têm a perspectiva
de SUS, de saúde universal."
O Ministério Público do Trabalho também está preocupado
com essa expansão. Por um
acordo com a Procuradoria Regional do Trabalho da Paraíba,
o Estado e a Prefeitura de João
Pessoa não poderão manter
contratos com profissionais de
saúde por meio de cooperativas
a partir de 31 de dezembro.
"Estava havendo uma manipulação da saúde pública por
essas entidades", diz o procurador do Trabalho Eduardo Varandas. Ferreira, da Fencom,
discorda. "A cooperativa é um
mecanismo de defesa do médico", afirma.
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