São Paulo, segunda-feira, 27 de agosto de 2007

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ENTREVISTA/LUIZ ROBERTO BARRADAS

Luiz Roberto Barradas diz que é preciso atrelar gastos no setor à variação do PIB, como prevê emenda constitucional

Secretário de SP vê risco de "apagão" na saúde no país

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Luiz Roberto Barradas, 54, secretário estadual da Saúde de São Paulo desde o governo Geraldo Alckmin (PSDB), alerta para um "apagão" e "uma crise atrás da outra" no setor, a exemplo do que ocorreu no Nordeste (com a onda de greves e demissões de médicos). Ele atribui a crise ao modelo de financiamento, que considera superado.
Para Barradas, o modelo de financiamento do SUS (Sistema Único de Saúde) é a origem dos problemas. Ele diz que é preciso que o orçamento previsto para o setor seja efetivamente gasto, com definição de percentuais mínimos para Estado, União e municípios. "A minha visão da crise no Nordeste é que ela não é uma crise isolada. Não é uma crise do Nordeste, é uma crise do Sistema Único de Saúde brasileiro. E está diretamente relacionada com a questão do financiamento. É preciso dizer o que é despesa de saúde e o que não é", disse o secretário. Barradas encampa a opinião do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, sobre o aborto, que vê como problema de saúde pública. "Como médico, acho que as mulheres têm o direito de escolha. E o Estado deve permitir a elas exercer esse direito. E só quem pode dizer isso é a sociedade. Estou alinhado com o ministro Temporão. Acho que devemos consultar a sociedade." Defende ainda o acesso gratuito a cirurgias de troca de sexo e as fundações públicas de direito privado na gestão de unidades de saúde. Hoje, o secretário lança, ao lado do governador José Serra (PSDB), um selo que será dado a empresas que banirem voluntariamente o cigarro de ambientes fechados. Ele defende medidas restritivas ao fumo em locais fechados. Leia os principais trechos da entrevista concedida à Folha.  

FOLHA - A saúde no Nordeste passa por uma crise sem precedentes. Que garantias São Paulo tem para que os problemas não se repitam por aqui? LUIZ ROBERTO BARRADAS - A crise é reflexo do financiamento do sistema. Há um tempo atrás falei que corremos risco, se nada for feito, de ter um apagão na saúde. Isso porque o financiamento do SUS é muito complicado. É preciso aumentar os recursos. Gastamos hoje metade do que gasta a Argentina. Se o ministério não aumentar o valor das tabelas, e com isso não conseguir remunerar melhor os hospitais, e os hospitais não puderem aumentar os salários dos profissionais, vamos ter uma crise atrás da outra.

FOLHA - E qual é a solução? BARRADAS - A médio prazo é a regulamentação da emenda constitucional 29, que diz o quanto de dinheiro tem de ser gasto com saúde no país.

FOLHA - Quais são esses percentuais? BARRADAS - O governo estadual tem de gastar 12%, o municipal, 15%, e o federal, o que foi gasto no ano anterior mais o crescimento do PIB. Só que o Ministério da Saúde não tem gasto aquilo que precisa gastar. Por quê? Porque se utiliza da Desvinculação de Recursos da União, a tal da DRU, para tirar dinheiro da saúde e jogar em outras áreas. Dos R$ 30 bilhões da saúde previstos para o início deste ano, cerca de R$ 2,8 bilhões iam ser tirados para o Bolsa Alimentação, dizendo que é um programa de saúde. Não é.

FOLHA - E qual é sua conclusão sobre as condições de hoje? BARRADAS - A minha visão da crise no Nordeste é que ela não é uma crise isolada. Não é uma crise do Nordeste, é uma crise do Sistema Único de Saúde brasileiro. E está diretamente relacionada com a questão do financiamento. É preciso dizer o que é despesa de saúde e o que não é. E mais: vamos fazer com que o que precise ser gasto na saúde seja efetivamente gasto. Aí vai ter mais recursos e vai ser possível remunerar melhor os hospitais e melhorar o quanto ganham os profissionais.

FOLHA - Como o sr. vê as fundações públicas de direito privado na gestão de setores como a saúde? BARRADAS - Sou favorável.

FOLHA - Mas o modelo tem diversos problemas e já nasce com vícios, como a nomeação de dirigentes por critérios políticos. BARRADAS - A gestão pública de saúde não tem ferramentas para administrar. A lei de licitações é igual para construir rodovias e para comprar remédios. A lei de ingresso no serviço público é a mesma na saúde, como é igual em qualquer outro setor. As fundações não vão resolver esse problema, porque exigem concurso público. Mas tem outras em que há avanço, como a perda da estabilidade [dos funcionários]. Agora, tenho receio da escolha dos dirigentes. Nas organizações sociais de saúde isso não acontece. Em São Paulo, o modelo funciona.

FOLHA - A Fundação Zerbini não é um exemplo bem sucedido? BARRADAS - Mas a Fundação Zerbini não é um modelo de fundação estatal nem de organização social. E tornou o Incor [Instituto do Coração] o melhor exemplo de hospital público do país.

FOLHA - O sr. não vê problemas na gestão do Incor? BARRADAS - Teve problemas? Teve. Numa gestão, os dirigentes resolveram abrir um Incor em Brasília. Pegaram R$ 52 milhões dos recursos que deveriam ser usados no Incor de São Paulo e gastaram em Brasília. Aí a fundação teve problemas em São Paulo. Tirou-se uma direção e colocou-se outra. Desde que isso aconteceu, qual a crise da Fundação Zerbini? Nenhuma. O Incor está melhorando.

FOLHA - Mas já perdeu boa parte do prestígio que teve para o Instituto Dante Pazzanese, por exemplo. BARRADAS - Que é outra fundação. Tenho uma fundação de apoio no Dante Pazzanese. O Antonio Carlos Magalhães [senador baiano morto em 20 de julho deste ano], onde se tratou?

FOLHA - Morreu no Incor. BARRADAS - Podia ter escolhido o Einstein, o Sírio-Libanês. Escolheu o Incor. Deve ser porque ele é bom. Quem cuida da Fundação Zerbini e do Incor é gente capacitada. Pode ser melhorado, mas é um bom modelo.

FOLHA - Outro problema das fundações são as contas, que não serão divulgadas no Siafi, o sistema de acompanhamento de gastos do governo. BARRADAS - Não sei dessa história de que as contas não vão ser divulgadas. Não sei disso. Se estiver pensando assim é um erro.

FOLHA - Como o sr. vê o aborto? BARRADAS - É uma questão complicada. Como médico, acho que as mulheres têm o direito de escolha. E o Estado deve permitir a elas exercer esse direito. E só quem pode dizer isso é a sociedade brasileira. Estou alinhado com o ministro Temporão. Acho que devemos consultar a sociedade.

FOLHA - Poderia ser uma consulta na forma de referendo? BARRADAS - Isso não sei dizer, mas devemos consultar. Isso foi feito recentemente em Portugal, que acha que deve. O aborto é um problema de saúde pública. Há um sem-número de mulheres que têm problemas, algumas delas morrem.

FOLHA - O governo do Estado também vai bancar cirurgias de troca de sexo, a exemplo do SUS, que foi obrigado a bancar essas operações por determinação judicial? BARRADAS - A cirurgia para troca de sexo é uma necessidade. Considero uma cirurgia plástica reparadora e a comparo a um grande queimado que precisa fazer uma cirurgia reparadora para ter sua auto-estima preservada. Fiquei muito contente de o Ministério da Saúde incluí-la entre as cirurgias do Sistema Único de Saúde. O Estado de São Paulo já tem três centros que fazem esse tipo de cirurgia gratuitamente.

FOLHA - Que nota o sr. dá para a saúde no Brasil? BARRADAS - Não compete a mim dar nota à saúde. Quem tem de dar nota são os usuários do sistema único. Quando fizeram essa pergunta a eles, a nota dada foi 6,7.

FOLHA - Então não passa por média, vai à recuperação... BARRADAS - Vai à recuperação, mas foi aprovado. Quando fizeram a mesma pergunta a não-usuários do sistema público, a nota foi 4. Qualquer coisinha que demore um pouquinho a mais, acha-se uma droga.

FOLHA - O sr. não vê problemas? BARRADAS - Tenho problemas, sem dúvida nenhuma. Tenho sérios problemas, gravíssimos. Mas eles não são absoluta maioria. Pelo contrário, são minoria. E a população que não usa fica com essa imagem na cabeça.

FOLHA - Desde 1980, São Paulo tem lei antitabagista que bane o cigarro em 20 lugares públicos. Entre 1990 e 2003, decretos e outras leis ampliaram a restrição para bares, restaurantes e boates. O que falta para que elas sejam cumpridas? BARRADAS - Falta consciência da sociedade de que a lei precisa ser cumprida. Mas temos de ver o lado positivo, essas leis conseguiram que reduzíssemos bastante o percentual de fumantes. Entre os paulistas, 20% fumam. E já foi 40% no passado. Para que as leis sejam totalmente cumpridas vai ter resistência. Lembro do tempo do cigarro nos aviões, hoje nenhum vôo tem.

FOLHA - Nem por isso ninguém deixou de voar... BARRADAS - As pessoas acabam se acomodando. O selo de ambientes livres de tabaco é mais uma iniciativa, um estímulo que pode pegar.

FOLHA - Mas essa medida é paliativa. Por que não se bane definitivamente o fumo, como foi feito em lugares civilizados, como Nova York e Buenos Aires? BARRADAS - Teria de ser uma lei que fosse de fato implantada no país como um todo. Mais dia ou menos dia isso vai acontecer.

FOLHA - Já existe uma lei federal de 1997 que bane o fumo de ambientes fechados. BARRADAS - Na Espanha tem fumódromo dentro do aeroporto. É um país desenvolvido que permite fumar em ambiente fechado.

FOLHA - O sr. é a favor da criação de fumódromos? BARRADAS - Não, sou contrário. Mas acho que isso já é uma evolução.

FOLHA - A lei é cheia de brechas, e falta regulamentação para tudo. Há lacunas para permitir o fumo em restaurantes, por exemplo? BARRADAS- Sim, tanto que a legislação nas esferas federal, estadual e municipal é conflituosa. O melhor seria se o país adotasse um critério único.

FOLHA - Em Brasília, onde poderia haver esse conflito, está banido. Por que não aqui? BARRADAS- Não sei dizer.

FOLHA - Uma pesquisa da própria secretaria revela que 80% dos viciados começaram a fumar antes dos 20 anos, e 13% iniciaram o vício entre seis e 14 anos. Isso é muito alarmante... BARRADAS - Começa cedo pelo exemplo em casa, ao se ver o pai e a mãe fumando. Isso é um auto-estímulo. A nicotina é das drogas que mais causam dependência, mais até do que a cocaína.

FOLHA - Por que não se combate a indústria tabagista de frente? O cigarro no Brasil é barato, além do contrabando, que é altíssimo. BARRADAS - Essa é a linha do ministério, que propõe uma taxação forte do cigarro para diminuir o consumo. Mas o preço não pode ser absurdo porque senão estimula o contrabando. O cigarro é um produto muito barato no Brasil.

FOLHA - Esse selo não é uma iniciativa conservadora? O Inca já faz isso há anos, por que o Estado não é mais incisivo? BARRADAS - É uma iniciativa, contribui. Tudo que se possa fazer para diminuir o consumo é importante. É uma boa medida.

FOLHA - As maiores vítimas são os garçons, que trabalham como fumantes passivos. BARRADAS- Uma boa parte deles também fuma.

FOLHA - Como vai ser a fiscalização desse selo? BARRADAS - A medida não é punitiva. É voluntário. A fiscalização vai ser dos próprios freqüentadores. Não vai ter sanção, nada disso.

FOLHA - O projeto fala em premiar empresas e espaços públicos. Como será isso? Vai haver isenção fiscal? BARRADAS- Não, não vai ter nada disso.

FOLHA - O governador José Serra foi o ministro da Saúde que baniu a propaganda de cigarro e obrigou a publicação de imagens degradantes nos maços. Cadê ele agora em São Paulo? BARRADAS - A legislação tem de ser feita no país como um todo. Estamos fazendo o selo, o governador acha que isso é promoção da saúde. É preciso definir uma lei nacional. Não é uma atividade isolada de um município, de um Estado.





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