São Paulo, segunda-feira, 27 de agosto de 2007 |
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ENTREVISTA/LUIZ ROBERTO BARRADAS Luiz Roberto Barradas diz que é preciso atrelar gastos no setor à variação do PIB, como prevê emenda constitucional Secretário de SP vê risco de "apagão" na saúde no país
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO FOLHA - A saúde no Nordeste passa por uma crise sem precedentes. Que garantias São Paulo tem para que os problemas não se repitam por aqui? LUIZ ROBERTO BARRADAS - A crise é reflexo do financiamento do sistema. Há um tempo atrás falei que corremos risco, se nada for feito, de ter um apagão na saúde. Isso porque o financiamento do SUS é muito complicado. É preciso aumentar os recursos. Gastamos hoje metade do que gasta a Argentina. Se o ministério não aumentar o valor das tabelas, e com isso não conseguir remunerar melhor os hospitais, e os hospitais não puderem aumentar os salários dos profissionais, vamos ter uma crise atrás da outra. FOLHA - E qual é a solução? BARRADAS - A médio prazo é a regulamentação da emenda constitucional 29, que diz o quanto de dinheiro tem de ser gasto com saúde no país. FOLHA - Quais são esses percentuais? BARRADAS - O governo estadual tem de gastar 12%, o municipal, 15%, e o federal, o que foi gasto no ano anterior mais o crescimento do PIB. Só que o Ministério da Saúde não tem gasto aquilo que precisa gastar. Por quê? Porque se utiliza da Desvinculação de Recursos da União, a tal da DRU, para tirar dinheiro da saúde e jogar em outras áreas. Dos R$ 30 bilhões da saúde previstos para o início deste ano, cerca de R$ 2,8 bilhões iam ser tirados para o Bolsa Alimentação, dizendo que é um programa de saúde. Não é. FOLHA - E qual é sua conclusão sobre as condições de hoje? BARRADAS - A minha visão da crise no Nordeste é que ela não é uma crise isolada. Não é uma crise do Nordeste, é uma crise do Sistema Único de Saúde brasileiro. E está diretamente relacionada com a questão do financiamento. É preciso dizer o que é despesa de saúde e o que não é. E mais: vamos fazer com que o que precise ser gasto na saúde seja efetivamente gasto. Aí vai ter mais recursos e vai ser possível remunerar melhor os hospitais e melhorar o quanto ganham os profissionais. FOLHA - Como o sr. vê as fundações públicas de direito privado na gestão de setores como a saúde? BARRADAS - Sou favorável. FOLHA - Mas o modelo tem diversos problemas e já nasce com vícios, como a nomeação de dirigentes por critérios políticos. BARRADAS - A gestão pública de saúde não tem ferramentas para administrar. A lei de licitações é igual para construir rodovias e para comprar remédios. A lei de ingresso no serviço público é a mesma na saúde, como é igual em qualquer outro setor. As fundações não vão resolver esse problema, porque exigem concurso público. Mas tem outras em que há avanço, como a perda da estabilidade [dos funcionários]. Agora, tenho receio da escolha dos dirigentes. Nas organizações sociais de saúde isso não acontece. Em São Paulo, o modelo funciona. FOLHA - A Fundação Zerbini não é um exemplo bem sucedido? BARRADAS - Mas a Fundação Zerbini não é um modelo de fundação estatal nem de organização social. E tornou o Incor [Instituto do Coração] o melhor exemplo de hospital público do país. FOLHA - O sr. não vê problemas na gestão do Incor? BARRADAS - Teve problemas? Teve. Numa gestão, os dirigentes resolveram abrir um Incor em Brasília. Pegaram R$ 52 milhões dos recursos que deveriam ser usados no Incor de São Paulo e gastaram em Brasília. Aí a fundação teve problemas em São Paulo. Tirou-se uma direção e colocou-se outra. Desde que isso aconteceu, qual a crise da Fundação Zerbini? Nenhuma. O Incor está melhorando. FOLHA - Mas já perdeu boa parte do prestígio que teve para o Instituto Dante Pazzanese, por exemplo. BARRADAS - Que é outra fundação. Tenho uma fundação de apoio no Dante Pazzanese. O Antonio Carlos Magalhães [senador baiano morto em 20 de julho deste ano], onde se tratou? FOLHA - Morreu no Incor. BARRADAS - Podia ter escolhido o Einstein, o Sírio-Libanês. Escolheu o Incor. Deve ser porque ele é bom. Quem cuida da Fundação Zerbini e do Incor é gente capacitada. Pode ser melhorado, mas é um bom modelo. FOLHA - Outro problema das fundações são as contas, que não serão divulgadas no Siafi, o sistema de acompanhamento de gastos do governo. BARRADAS - Não sei dessa história de que as contas não vão ser divulgadas. Não sei disso. Se estiver pensando assim é um erro. FOLHA - Como o sr. vê o aborto? BARRADAS - É uma questão complicada. Como médico, acho que as mulheres têm o direito de escolha. E o Estado deve permitir a elas exercer esse direito. E só quem pode dizer isso é a sociedade brasileira. Estou alinhado com o ministro Temporão. Acho que devemos consultar a sociedade. FOLHA - Poderia ser uma consulta na forma de referendo? BARRADAS - Isso não sei dizer, mas devemos consultar. Isso foi feito recentemente em Portugal, que acha que deve. O aborto é um problema de saúde pública. Há um sem-número de mulheres que têm problemas, algumas delas morrem. FOLHA - O governo do Estado também vai bancar cirurgias de troca de sexo, a exemplo do SUS, que foi obrigado a bancar essas operações por determinação judicial? BARRADAS - A cirurgia para troca de sexo é uma necessidade. Considero uma cirurgia plástica reparadora e a comparo a um grande queimado que precisa fazer uma cirurgia reparadora para ter sua auto-estima preservada. Fiquei muito contente de o Ministério da Saúde incluí-la entre as cirurgias do Sistema Único de Saúde. O Estado de São Paulo já tem três centros que fazem esse tipo de cirurgia gratuitamente. FOLHA - Que nota o sr. dá para a saúde no Brasil? BARRADAS - Não compete a mim dar nota à saúde. Quem tem de dar nota são os usuários do sistema único. Quando fizeram essa pergunta a eles, a nota dada foi 6,7. FOLHA - Então não passa por média, vai à recuperação... BARRADAS - Vai à recuperação, mas foi aprovado. Quando fizeram a mesma pergunta a não-usuários do sistema público, a nota foi 4. Qualquer coisinha que demore um pouquinho a mais, acha-se uma droga. FOLHA - O sr. não vê problemas? BARRADAS - Tenho problemas, sem dúvida nenhuma. Tenho sérios problemas, gravíssimos. Mas eles não são absoluta maioria. Pelo contrário, são minoria. E a população que não usa fica com essa imagem na cabeça. FOLHA - Desde 1980, São Paulo tem lei antitabagista que bane o cigarro em 20 lugares públicos. Entre 1990 e 2003, decretos e outras leis ampliaram a restrição para bares, restaurantes e boates. O que falta para que elas sejam cumpridas? BARRADAS - Falta consciência da sociedade de que a lei precisa ser cumprida. Mas temos de ver o lado positivo, essas leis conseguiram que reduzíssemos bastante o percentual de fumantes. Entre os paulistas, 20% fumam. E já foi 40% no passado. Para que as leis sejam totalmente cumpridas vai ter resistência. Lembro do tempo do cigarro nos aviões, hoje nenhum vôo tem. FOLHA - Nem por isso ninguém deixou de voar... BARRADAS - As pessoas acabam se acomodando. O selo de ambientes livres de tabaco é mais uma iniciativa, um estímulo que pode pegar. FOLHA - Mas essa medida é paliativa. Por que não se bane definitivamente o fumo, como foi feito em lugares civilizados, como Nova York e Buenos Aires? BARRADAS - Teria de ser uma lei que fosse de fato implantada no país como um todo. Mais dia ou menos dia isso vai acontecer. FOLHA - Já existe uma lei federal de 1997 que bane o fumo de ambientes fechados. BARRADAS - Na Espanha tem fumódromo dentro do aeroporto. É um país desenvolvido que permite fumar em ambiente fechado. FOLHA - O sr. é a favor da criação de fumódromos? BARRADAS - Não, sou contrário. Mas acho que isso já é uma evolução. FOLHA - A lei é cheia de brechas, e falta regulamentação para tudo. Há lacunas para permitir o fumo em restaurantes, por exemplo? BARRADAS- Sim, tanto que a legislação nas esferas federal, estadual e municipal é conflituosa. O melhor seria se o país adotasse um critério único. FOLHA - Em Brasília, onde poderia haver esse conflito, está banido. Por que não aqui? BARRADAS- Não sei dizer. FOLHA - Uma pesquisa da própria secretaria revela que 80% dos viciados começaram a fumar antes dos 20 anos, e 13% iniciaram o vício entre seis e 14 anos. Isso é muito alarmante... BARRADAS - Começa cedo pelo exemplo em casa, ao se ver o pai e a mãe fumando. Isso é um auto-estímulo. A nicotina é das drogas que mais causam dependência, mais até do que a cocaína. FOLHA - Por que não se combate a indústria tabagista de frente? O cigarro no Brasil é barato, além do contrabando, que é altíssimo. BARRADAS - Essa é a linha do ministério, que propõe uma taxação forte do cigarro para diminuir o consumo. Mas o preço não pode ser absurdo porque senão estimula o contrabando. O cigarro é um produto muito barato no Brasil. FOLHA - Esse selo não é uma iniciativa conservadora? O Inca já faz isso há anos, por que o Estado não é mais incisivo? BARRADAS - É uma iniciativa, contribui. Tudo que se possa fazer para diminuir o consumo é importante. É uma boa medida. FOLHA - As maiores vítimas são os garçons, que trabalham como fumantes passivos. BARRADAS- Uma boa parte deles também fuma. FOLHA - Como vai ser a fiscalização desse selo? BARRADAS - A medida não é punitiva. É voluntário. A fiscalização vai ser dos próprios freqüentadores. Não vai ter sanção, nada disso. FOLHA - O projeto fala em premiar empresas e espaços públicos. Como será isso? Vai haver isenção fiscal? BARRADAS- Não, não vai ter nada disso. FOLHA - O governador José Serra
foi o ministro da Saúde que baniu a
propaganda de cigarro e obrigou a
publicação de imagens degradantes
nos maços. Cadê ele agora em São
Paulo?
BARRADAS - A legislação tem de
ser feita no país como um todo.
Estamos fazendo o selo, o governador acha que isso é promoção da saúde. É preciso definir uma lei nacional. Não é uma
atividade isolada de um município, de um Estado. |
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