São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 2008

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No 1º dia de debate, religiosos divergem sobre anencefalia

Das entidades ouvidas pelo STF, 3 foram contra a interrupção da gravidez e 2, a favor

Único ministro presente à audiência, Marco Aurélio Mello, relator da matéria, disse que dará voto favorável à tese de interrupção


ANDRÉA MICHAEL
ANGELA PINHO

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA No primeiro dia da audiência pública realizada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para discutir a possibilidade de interrupção da gravidez em caso de feto anencéfalo, representantes de segmentos religiosos demonstraram divergências sobre o tema que vão desde a discussão sobre a existência ou não de vida nestes casos até a garantia que o Estado deveria assegurar à mulher para tomar tal decisão.
Das cinco entidades ouvidas, três foram contra a tese favorável à interrupção da gravidez que a CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde) levou ao tribunal -CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família e Associação Médico-Espírita do Brasil.
Defenderam a possibilidade de interrupção da gravidez a Iurd (Igreja Universal de Reino de Deus) e a entidade Católicas pelo Direito de Decidir.
Único ministro presente à audiência, Marco Aurélio Mello, que é relator da matéria, disse que votará favoravelmente à tese da CNTS. Ao comentar as divergências entre as entidades, afirmou que "a balança da vida tem dois pratos".
Falando pela CNBB, o padre Luiz Antônio Bento disse que, da perspectiva científica, nos casos de anencefalia não há ausência de cérebro, mas só de partes dele, o que configuraria a existência de vida. "A vida tem que ser preservada sempre. Mesmo que haja anomalias. A dignidade da pessoa não está no seu exterior, no seu modo de ser, mas no seu próprio ser."
A Universal foi representada pelo bispo Carlos Macedo de Oliveira, que embasou sua argumentação em duas teses: a laicidade do Estado e a escolha da mulher em qualquer tipo de gestação, mesmo em uma "sociedade machista".
Oliveira citou uma passagem bíblica (Eclesiastes) para dizer que há respaldo para o aborto no livro: "Se o homem gerar cem filhos, e viver muitos anos, e os dias dos seus anos forem muitos, e se a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é melhor do que ele".
O ponto de concordância entre as entidades foi o fato de que a anencefalia leva à morte do feto ou do recém-nascido em 100% dos casos.
Situação que foge à literatura médica é a de Marcela de Jesus Ferreira, que sobreviveu até um ano e oito meses. Seu exemplo esteve no centro dos debates, embora não fosse um caso clássico de anencefalia -não possuía hemisfério cerebral, mas tinha tronco encefálico, que lhe garantia funções vitais.
A representante das Católicas pelo Direito de Decidir, Maria José Rosado, disse que a mãe da garota teve o direito a escolher. Não seria justo, segundo ela, retirar o direito de escolha de 15 mil mulheres que buscam isso na Justiça.
O professor da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Rodolfo Nunes corroborou a tese da CNBB de que há vida e afirmou que não existem estudos conclusivos sobre a parte do cérebro que não foi comprometida.
A associação médico-espírita defendeu a tese de que o feto anencéfalo tem consciência.
A audiência pública seguirá por mais dois dias. Amanhã serão ouvidos representantes do segmento científico e, na semana que vem, a sociedade civil.
Mello disse que o teor da audiência fará parte do relatório para os ministros.
Questionado sobre o convite feito a entidades religiosas diante do fato de o Estado brasileiro ser laico, respondeu: "É um Estado laico, mas precisamos perceber que vivemos em sociedade e seus anseios não podem ser simplesmente colocados em segundo plano. A visão do juiz é global".
Para o advogado da CNTS, Luís Roberto Barroso, o Estado não pode interferir na questão. "Em uma matéria que envolve desacordo moral razoável e em que há teses importantes para os dois lados, o papel do Estado é assegurar que cada um viva sua crença, os seus valores."


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