São Paulo, Quarta-feira, 27 de Outubro de 1999
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SAÚDE

Especialistas prevêem que doença, que causa cirrose e câncer, pode ter epidemia mundial no próximo milênio

Hepatite C ameaça tomar lugar da Aids

AURELIANO BIANCARELLI
enviado especial a Lisboa



Infectologistas e epidemiologistas estão prevendo que a hepatite C -que causa cirrose e câncer no fígado- será a Aids do próximo milênio. Não se trata apenas de retórica catastrofista. O vírus já atinge hoje 300 milhões de pessoas no mundo todo, cinco vezes o número de vítimas da Aids.
Com algumas agravantes: ainda não se conhecem todos os mecanismos de transmissão, a maioria das pessoas sabe pouco sobre a doença e os governos e laboratórios ainda não atentaram para a sua gravidade. O vírus só foi identificado há dez anos, os testes só existem há sete, não há vacinas e os medicamentos não curam, apenas controlam a doença.
O alerta vem sendo repetido em vários painéis da 7ª Conferência Européia de Aids, em Lisboa. Carlos Soriano, do Instituto de Saúde Carlos 3º, de Madri (Espanha), mostrou pesquisas onde a hepatite C representa 85% das internações por falência hepática entre pacientes com HIV.
Por terem o sistema imunológico debilitado, esses doentes são as principais vítimas. A ameaça de uma epidemia em grande escala pelo vírus da hepatite C, no entanto, pesa sobre a população em geral. No mundo todo, a prevalência oscila entre 0,8% e 2%. Em São Paulo, um estudo divulgado no ano passado e realizado pelo Hospital Emílio Ribas em parceria com o Datafolha detectou uma prevalência de 1,4%. Seriam cerca de 140 mil infectados só na capital e 2,2 milhões em todo o país.
"Um fator agravante é que 50% das hepatites C do Brasil são provocadas por um subtipo de vírus conhecido como 1B", diz o infectologista Roberto Focaccia, coordenador da pesquisa e especialista em hepatites. Todos os portadores do 1B vão apresentar, num período de 2 a 20 anos, um processo de cirrose hepática que pode levar à falência do fígado ou mesmo a um câncer. Os pacientes com esse subtipo adoecem mais rapidamente e respondem mal aos tratamentos. Outra agravante é que esse vírus da hepatite C, em 99% dos casos, só será detectado quando surgir a doença.
"Dentro de alguns anos, vamos estar falando mais da hepatite C do que hoje falamos da Aids", afirma Caio Rosenthal, infectologista do Emílio Ribas.
Só esse hospital vem recebendo cerca de mil casos novos por ano. Nos EUA, esse tipo de hepatite já provoca 10 mil mortes por ano.
"Não se está dando a devida importância à doença", diz Focaccia. "Há falhas na triagem por parte de alguns bancos de sangue e falta suporte financeiro para diagnóstico e tratamento."
Embora não tenha cura, a doença é controlada com as drogas interferon e ribavirina. "Mas poucos Estados oferecem a primeira e a segunda sofre faltas frequentes, mesmo em São Paulo", diz o médico.


Aureliano Biancarelli viajou a convite do laboratório Abbott


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