São Paulo, Quarta-feira, 27 de Outubro de 1999
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IRREGULARIDADES NA USP

Pesquisador de Bauru omite sociedade em empresa e consegue R$ 624 mil da Fapesp

Professor obtém verba com dado falso

JOSIAS DE SOUZA
Secretário de Redação

MARIO CESAR CARVALHO
da Reportagem Local

O professor da USP Aguinaldo Campos Junior enviou dados falsos à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para obter recursos para uma pesquisa da Faculdade de Odontologia de Bauru.
Em 10 de dezembro de 1997, Campos Junior remeteu ao órgão de fomento à pesquisa um projeto de parceria entre uma empresa, a Kunzel, e o Napio (Núcleo de Apoio à Pesquisa em Implantes Odontológicos). O projeto visa o desenvolvimento de implantes dentários. No contrato social da Kunzel, o professor não aparecia como sócio.
O dado era falso. Em 5 de abril de 1995, dois anos e oito meses antes de enviar o documento à Fapesp, Campos Junior foi admitido na sociedade, segundo registro na Junta Comercial de São Paulo. Nesse dia, o professor passou a dividir a direção do negócio com Aguedo Aragonês.
O contrato enviado à Fapesp era antigo, de novembro de 1994, quando o professor ainda não havia se associado à Kunzel.
O dinheiro da Fapesp era enviado ao professor, que o transferia para ele mesmo, desta vez no papel de empresário.

Negócio de R$ 624 mil
A parceria do professor Aguinaldo com ele mesmo foi contemplada com uma verba de R$ 623.957,40 -uma parcela em reais (R$ 307.637) e outra em dólares (US$ 158.160,20). A verba vai até 2001, mas o órgão só liberou R$ 75 mil até agora.
Informado pela Folha da irregularidade, o diretor científico da Fapesp, José Fernando Perez, disse: "Se constasse o nome dele como sócio da empresa, o projeto não seria aprovado com certeza".
Segundo Perez, não há uma norma vetando que professores-empresários obtenham recursos da Fapesp. Mas havia, segundo ele, um impedimento ético. A idéia da parceria é colocar a universidade em contato com empresas para sentir as necessidades do mercado.
Quando um professor está por trás do negócio, o princípio fica comprometido. O professor pode, simplesmente, transferir recursos da USP para a empresa.
"Isso é eticamente inaceitável. É uma relação incestuosa. Não vamos financiar esse tipo de coisa", afirma Perez.
Agora, a Fapesp está elaborando uma norma para vetar esse tipo de parceria.
Perez diz que o professor Aguinaldo confirmou ontem ao órgão que o contrato enviado, de fato, é velho, e que em 1997 ele já era sócio da Kunzel.
Perez diz que poderá cancelar o contrato e pedir o ressarcimento dos R$ 75 mil que já foram liberados. A decisão depende de parecer jurídico da Fapesp.
O envio de dados falsos pode caracterizar o crime de falsidade ideológica.
Segundo o artigo 299 do Código Penal, é falsidade ideológica "omitir, em documento público ou particular, declaração que nele devia constar (...)".
A pena prevista para esse tipo de crime é a prisão de um a cinco anos, e multa.
A sociedade na Kunzel não foi o único dado omitido à Fapesp. O professor Aguinaldo assinala no documento enviado que o "desenvolvimento" de implantes dentários seria feito pelo Napio. Disse isso em dezembro de 1997. O problema é que, três meses antes, o Napio havia sido desativado pela USP.
Segundo Perez, esse dado é irrelevante para a Fapesp, já que o contrato foi feito com a Faculdade de Odontologia de Bauru, e não com o Napio.

Entidade fantasma
Embora tenha sido extinto em 1997, após movimentar pelo menos US$ 2 milhões, o Napio funciona até hoje. Seu patrimônio inclui um centro cirúrgico, um laboratório de prótese, seis consultórios dentários e até um estúdio de TV.
A USP está prestes a encerrar uma sindicância em que deve concluir pela existência de irregularidades. Em 1997, após a extinção do núcleo, o professor apropriou-se da marca "Napio". Registrou-a no Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial). A Kunzel é hoje dona da marca.


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