|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Aborto, crime e castigo
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Não aprendi sobre a violência brasileira lendo livros, mas
investigando, desde o final da
década de 1980, a situação das
crianças e dos adolescentes,
quando adverti, por diversas
vezes, que iríamos perder o
controle da segurança. Aprendi
que não existe relação direta
entre violência e pobreza (isso
sim um preconceito), mas com
a desestrutura familiar combinada com a ineficiência policial
e a falta de perspectivas aos jovens nas comunidades mais pobres. Essa combinação move a
produção da "fábrica de marginais." O governador Sérgio Cabral Filho disse, em essência, o
que deveria ser dito: há uma relação entre violência e planejamento familiar.
Nas entrevistas com crianças
e adolescentes que fiz em todos
esses anos, nas mais diversas
cidades, dentro e fora do Brasil,
sempre aparece a brutalidade
familiar associada à marginalidade de jovens. A família torna-se o primeiro e mais devastador
foco de rejeição e de ressentimento, prosseguindo na escola
pública que não ensina, no posto de saúde que não cura, na polícia que não cuida da segurança, nos espaços de lazer que não
existem e no mercado de trabalho que não oferece empregos
para pessoas com baixa escolaridade. Some-se a isso que, em
muitas comunidades, o marginal se confunde com o herói, e o
policial com o bandido.
Nesse ambiente, uma mulher
pobre com muitos filhos pode
ser um fator de risco. Isso não é
preconceito. É uma obviedade.
Quando indesejadas, as crianças recebem menos atenção e
sofrem mais agressões. Muitas
das crianças de rua que conheci
viam na família um inferno e,
em grande parte por causa disso, preferiam a incerteza das
ruas. Referiam-se, especialmente, aos padrastos, cuja brutalidade é assegurada pela
omissão materna.
Não vamos acabar com a violência disseminando o planejamento familiar. Mas, certamente, esse é um ingrediente,
inclusive o aborto, que deve fazer parte de um plano de segurança social. Sérgio Cabral teve
o mérito de trazer essa dimensão para o debate.
Texto Anterior: Polêmica: Cabral nega ter dado data para fim do tráfico de drogas Próximo Texto: Mortes Índice
|