São Paulo, quarta-feira, 27 de outubro de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

Fontes da juventude


Entre as promessas e os fatos havia distância tão grande quanto a distância de seus tempos de menino


UM GRUPO DE andarilhos, alguns munidos de máquinas fotográficas, reúne-se amanhã, às 20h, na frente do Teatro Municipal, para fazer um passeio-denúncia. A missão: documentar a situação de abandono das fontes de água do centro e espalhar as imagens pela internet. "Queremos chamar a atenção das autoridades", diz Carlos Beutel, que, há seis anos, decidiu colaborar para a revitalização do centro promovendo caminhadas noturnas. "Em seis anos de andanças, nunca ocorreu um problema sequer de violência", orgulha-se.
Até agora, os passeios noturnos tinham como objetivo trazer gente para descobrir os encantos da região. Eram só uma forma de entretenimento, mas o passeio de amanhã vai ganhar um toque de protesto.

 


A história do encantamento de Carlos pelo centro de São Paulo sempre esteve ligada às suas andanças. Quando ele era menino, a imagem que mais o deixava intrigado era a das prostitutas, que trajavam roupas bem diferentes dos longos vestidos usados pelas mulheres religiosas do Bom Retiro.
Filho de judeus poloneses, ele morava no Bom Retiro e, quando ia para o centro, passava (sem fazer muito esforço) pelas ruas da região da Luz, então tomadas por prostitutas.
Depois, a caminhada prosseguia até terminar nos cinemas, nas livrarias, nos teatros e nas vitrines, como as do antigo Mappin (que funcionou durante muitos anos no prédio onde hoje estão as Casas Bahia). Em seu percurso de andanças, encantava-se especialmente com as fontes de água da região central.
Mais velho, essa paisagem continuou no seu trajeto porque ele estudou direito no largo São Francisco. Nas ruas, conheceu o fascínio pela política. Tirou o diploma, mas nunca exerceu a advocacia. Preferiu a culinária, que o levaria para as caminhadas noturnas.

 


No auge da epidemia do crack, no começo da década de 1990, abriu um restaurante vegetariano nas imediações da praça D. José Gaspar. "Acreditei nas promessas de revitalização." Tanto acreditou que decidiu alugar um apartamento no edifício Copan. "Assim, poderia ir caminhando para o trabalho."
Percebeu, porém, que, entre as promessas e os fatos, havia uma distância tão grande como a distância das imagens de seu tempo de menino. Tempos depois, mesmo desiludido diante das promessas não cumpridas, continuou mantendo sua aposta. Foi então que resolveu promover as caminhadas noturnas. "Quase sempre ouço alguém dizer que não imaginava que, no meio daquele ambiente, pudesse encontrar alguma beleza."

 


Em sua visão, a região do centro está muito longe do que foi em seu tempo de infância. Com a chegada de novos moradores e negócios, tem apresentado visível melhora. O surgimento de espaços culturais e de casas noturnas tem feito o local atrair diferentes tribos urbanas.
Apesar dos muitos problemas da região, poucas coisas o incomodam tanto quanto o estado de abandono em que se encontram as fontes, que, como as prostitutas da Luz e os elegantes cinemas, povoaram a sua infância de fantasia.

gdimen@uol.com.br


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