São Paulo, quarta-feira, 27 de outubro de 2010

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OPINIÃO

Moradores de favela vivem ciclo de despejo como política pública

MARIANA FIX
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Brasil é conhecido no exterior por sua experiência em urbanização de favelas e por ter uma legislação considerada progressista no campo do direito à cidade.
Diversos municípios têm se dedicado, no entanto, a desenvolver uma tecnologia de "remoção" de favelas contrária aos direitos sociais.
Em São Paulo, a prática foi institucionalizada por Jânio Quadros (1985-88) com o nome de "desfavelização" e teve na gestão Maluf (1993-96) um dos seus casos mais emblemáticos: a expulsão de mais de 50 mil pessoas para a abertura da avenida Jornalista Roberto Marinho.
Nessas ações, os habitantes das favelas costumam enfrentar pressão e violência, e são forçados a abandonar rapidamente suas casas. Recebem ofertas como verba em dinheiro (o "cheque-despejo"), bolsa-aluguel ou passagens para mudar de cidade. Se tiverem chance de entrar em algum financiamento para habitação, precisarão aguardar em alojamentos por vários anos.
Na mira do trator, na verdade são geralmente empurrados para outras favelas, cada vez mais longe -frequentemente, em beiras de córregos ou nas margens das represas de abastecimento de água, protegidas por lei.
O destino não é casual. A lei de proteção ambiental retira aquelas terras do jogo imobiliário, que define o preço de cada pedaço da cidade quase sempre acima dos baixos salários que a maioria dos brasileiros recebe.
Nas margens da represa, sua presença é temporariamente tolerada por não interferir nos circuitos de valorização imobiliária, até serem novamente ameaçados de expulsão.
Na falta de alternativas, essa é a saída que encontram pedreiros, porteiros, vigias, domésticos e diaristas, entre muitos outros, para não ficarem mais longe do lugar no qual trabalham.
O problema aumenta quando, em vez de uma política ambiental, prevalece o discurso supostamente ecológico para criminalizar esses moradores, ignorando a lógica de produção social da cidade. Basta ver o panfleto "É crime", recentemente distribuído pela prefeitura nas escolas aos filhos dos moradores do Jardim Pantanal.
É também grave quando obras como a ponte Octavio Frias de Oliveira absorvem todos os recursos da Operação Urbana, que deveriam ter sido repartidos com a habitação social na região da Água Espraiada. Uma enorme desproporção entre a rapidez para produzir grandes obras viárias e a demora em relação à moradia. Até hoje nenhuma foi construída.
Assim, as favelas não são eliminadas, como dizem, mas deslocadas para áreas de menor interesse imobiliário, onde a população vive em condições ainda piores.
São ciclos implacáveis de assentamento, despejo, reassentamento. Entre as consequências estão o aumento das disparidades sociais, a sobrecarga do sistema de transporte e o agravamento dos problemas ambientais e de saúde pública.


MARIANA FIX é arquiteta e urbanista


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