São Paulo, Sábado, 27 de Novembro de 1999


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LETRAS JURÍDICAS

Qualidades e defeitos das CPIs

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Narcotráfico dá bom exemplo das qualidades que se esperam desse organismo especial, previsto no parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição, e também mostra alguns de seus defeitos. Uma das comissões temporárias do Senado e da Câmara dos Deputados é composta com a representação proporcional dos partidos ou blocos parlamentares, assim responsáveis pelo que há de bom e de mau na apuração.
Agora se investiga se a extensão do crime organizado para tráfico de entorpecentes e drogas afins, ou cultivo de plantas psicotrópicas, decorre da omissão ou da ação de agentes da administração. Estes incluem a Polícia Federal, que tem a missão constitucional específica de prevenir e reprimir esse tráfico ilícito (artigo 142, parágrafo 1º, da Constituição), e as Polícias Civil e Militar dos Estados. Vai fundo em seus trabalhos.
Dois erros, porém, são muitos graves. O primeiro está na despreocupação em atingir pessoas inocentes. A ampla divulgação dos trabalhos ajuda a descoberta de fatos novos, mas coloca culpados e inocentes na mesma posição, sem distinguir uns dos outros. O segundo está em os membros da CPI afirmarem prévia e publicamente que pessoas convocadas para depor (e só depor como testemunha) são falsários, corruptos ou o que mais seja. O prejulgamento torna ilegal a convocação. Ofende o artigo 5º da Carta Magna, que trata dos direitos e garantias fundamentais, pois ninguém pode ser chamado a testemunhar contra seu próprio direito. Fala-se muito do clima de publicidade pessoal de alguns parlamentares. É, porém, mal menor, inerente aos 15 minutos de fama a que os políticos têm direito, necessário reconhecer que a publicidade constitui uma das garantias de reeleição.
Cotejada com duas outras CPIs deste ano (a dos Bancos e a do Poder Judiciário), a do Narcotráfico produz resultados mais úteis para a cidadania. A dos Bancos denunciou irregularidades, mas prejudicou seus efeitos com parlamentares sem base técnica para aprofundar a investigação, com poucas exceções, em cujo rol se destacou o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). A do Judiciário trouxe boas consequências, mas também envolveu pessoas que continuam a me parecer inocentes. Dou o exemplo do juiz Luiz Beethoven Giffoni Ferreira, de São Paulo, que não conheço. Todavia pessoas dignas de plena confiança, que o conhecem, me asseguram tratar-se de homem sério, trabalhador, que decide com rapidez as questões e vê suas decisões geralmente confirmadas nos tribunais. A CPI, além dos fatos ora em fase de levantamento, foi fundo no escândalo do prédio do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 2ª Região, mas já havia, no espaço interno da Justiça do Trabalho, um começo de reação contra abusos cometidos.
A CPI é mecanismo compatível com a democracia. A tomada pública de depoimentos de estelionatários e traficantes, acusando pessoas, inocentes ou culpadas, mas expostas à execração pública, sem qualquer possibilidade de defesa, é reprovável. A liberação de informações quando há apenas suspeitas sobre envolvimentos deve aguardar o pleno esclarecimento assegurado aos interessados. Por isso a CPI foi justamente criticada nesta semana pelo desembargador Djalma Lofrano, de São Paulo.
O leitor deve lembrar que a CPI apura, mas as punições criminais dependem do Judiciário, com a garantia da ampla defesa e do contraditório. Trabalho malfeito no Parlamento causará tempo e dinheiro perdidos, como se viu no passado. Acreditar no escândalo público, quando está em jogo a credibilidade do Congresso, e, portanto, das Casas, através das quais o povo manifesta opinião e liderança, é desservir a finalidade das CPIs.


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