São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 2008

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PASQUALE CIPRO NETO

Distribui, contribui, substitui...


Experimente escrever "distribue" no Google. Aparece até texto do Portal do Governo de São Paulo

O DONO DESTE ESPAÇO, obviamente, é o leitor. E os leitores me pedem que continue a conversa sobre as terminações de certas formas verbais. Parece que eles não acreditam muito no que vêem em livros, jornais e revistas, em cartazes (expostos pelo poder público ou pela iniciativa privada), na televisão, em folhetos etc.
"Já vi e li "distribui" e "distribue", "mói", "moe" e "móe", e aí não há memória que agüente", disse um leitor.
De fato, nosso convívio com a grafia não é lá dos mais pacíficos. Democrática, essa batalha envolve letrados e iletrados. Por diversas razões, algo como "distribue", "constróe", "móe/moe" pode sair da pena de brasileiros de diversos jaezes.
Explicações para esse descompasso há muitas. Vão do talvez excessivo número de reformas ortográficas ao mau ensino/aprendizado da língua. As reformas são responsáveis pelos resquícios e/ou reminiscências, que acabam passando de geração para geração, seja pelos livros que se tornam "velhos", mas continuam vivos nas estantes (nem poderia ser diferente -quem se atreveria a jogar fora um exemplar de "Vidas Sêcas" só porque o título carrega um decrépito circunflexo?), seja pela mais do que humana incapacidade (e falta de vontade, por que não?) de se adequar às mudanças ortográficas depois de uma certa idade.
O mau ensino/aprendizado da língua é responsável pela falta de percepção de que, embora muitas vezes "ilógica", a grafia de certas formas verbais obedece a um padrão. Tomemos como exemplo verbos como "discutir", "partir", "decidir" e "distribuir". Como é a terceira do singular do presente do indicativo desses verbos? Vamos lá: "discute", "parte", "decide" e "distribui". Como se vê, as três primeiras terminam em "e", mas a quarta... Aí entra o fenômeno da contaminação, da influência (do mais comum sobre o menos comum). O resultado disso é que o usuário da língua acaba promovendo uma "padronização" compulsória da grafia dessas flexões. A escola tem a obrigação de mostrar isso, com técnica e calma, e deixar claro que há um padrão, uma convenção, que deve ser seguida por todos.
A esta altura, também me cabe deixar claro que os verbos terminados em "uir" fazem a terceira do singular do presente do indicativo em "ui" (e não em "ue"): "A empresa distribui", "A educação contribui", "O treinador substitui" etc. Os verbos terminados em "oer" também apresentam a letra "i" nessa flexão (que termina em "ói"): "O rato rói", "A máquina mói", "A ausência dói". Experimente escrever "contribue" no Google. Aparece até texto do Portal do Governo do Estado de São Paulo.
Quanto aos resquícios e reminiscências de reformas anteriores, convém lembrar que já se escreveu "distribue", assim como já se escreveu "jornaes", "inglez", "moe", "roe" etc.
Em 1976, Milton Nascimento lançou o belo disco "Geraes" (o de 75 se chamava "Minas"). Muita gente estranhou a grafia de "Geraes", forma antiga do plural de "geral". Milton certamente a empregou para fazer referência ao passado, à tradição.
A grafia antiga "inglez" talvez explique por que ainda se vêem restaurantes que servem pizza calabreza, bife à milaneza ou comida chineza.
A esta altura o prezado leitor talvez já esteja pensando na próxima reforma ortográfica, que entrará em vigor em 01/01/2009. Haverá mudanças em algumas regras de acentuação e no emprego do hífen.
Prometo tratar delas em uma ou duas das próximas colunas. É isso.

inculta@uol.com.br


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