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Crianças correm atrás de comida nas margens da BR-101
Contrastes na maior rodovia litorânea do país vão de gasolina vendida a R$ 3,49 a menores pedindo esmola no acostamento
Famílias que hoje pedem ajuda no acostamento da rodovia tapavam buracos à procura de gorjetas de motoristas três anos atrás
Fernando Donasci/Folha Imagem
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Morador da região Porto Real do Colégio, em Alagoas, toma banho na única bica disponível
ALENCAR IZIDORO
FERNANDO DONASCI
ENVIADOS ESPECIAIS À BR-101
No sul da Bahia, crianças se
postam diante dos casebres
precários, no acostamento da
rodovia, e passam manhã e tarde com placas escritas em garranchos implorando pela parada de algum motorista: "precisamos de alimentos", "precisamos de comida", "precisamos
de ajuda", dizem as inscrições
mais habituais.
No litoral do Rio, a vista é de
iates, lanchas e barcos de luxo
atracados às margens da estrada, num lugar onde um posto
chega a vender gasolina aditivada por R$ 3,49 -a mais cara
encontrada pela reportagem na
rota da BR-101, em mais de
4.500 km percorridos do Rio
Grande do Sul ao Rio Grande
do Norte nas últimas semanas.
Paisagens como as de Teixeira de Freitas (BA) e de Angra
dos Reis (RJ), com histórias de
miséria e riqueza extremas, são
parte do principal trajeto litorâneo do Brasil.
As famílias que pedem socorro na beira da BR-101 são, em
boa parte, as mesmas que até
três anos atrás carregavam pás
e terra para tapar os buracos, à
procura da retribuição dos motoristas com gorjetas. "O asfalto está novo, não dá mais", lamenta Cleonice Jesus, 56, mãe
de quatro crianças, de 5 a 9
anos, que atravessam a pista
correndo assim que avistam
qualquer indício de que algum
veículo pode parar.
"Os caminhoneiros são os
que mais ajudam. Trazem cesta
básica, camiseta, sapato, de tudo um pouco", conta a mulher,
que mora há mais de sete anos
diante da BR-101 e afirma sobreviver com as doações e menos de R$ 70 do Bolsa Família.
Água comunitária
Em Alagoas, nas proximidades de Porto Real do Colégio,
moradores fazem fila no acostamento da rodovia. Sem água
encanada em casa, centenas de
habitantes dependem de uma
bica da BR-101 para matar a sede, lavar roupa e tomar banho
-tudo na frente dos motoristas
que passam pela estrada.
"Às vezes eu tomava banho
quente, no posto de gasolina. O
chuveiro quebrou, não dá
mais", conta Felipe Alves, 16,
que estuda na 5ª série do ensino fundamental.
Na região de Novo Lino (AL),
as margens da BR-101 também
servem de banheiro para quem
mora na beira da rodovia. "Está
vendo aquele matagal? É ali",
explica Cícera Kaete Maria da
Silva, 21, apontando para um
trecho da estrada com bastante
mato, prestes a invadir pedaços
do acostamento. A jovem mora
com o marido e o filho de dois
anos em uma casa de pau a pique, sem água encanada. Para
erguê-la, gastou R$ 500.
No acostamento da BR-101
também não faltam prostitutas, andarilhos e ambulantes,
inclusive índios e crianças.
Às vezes, sob risco iminente
de serem atropelados, já que
mais de 80% da estrada são em
pista simples -e motoristas infratores chegam a fazer do
acostamento local para ultrapassar.
"Muita gente para aqui só pra
tirar foto", diz Edson Evaristo,
20, o "Verá" em tupi-guarani,
na reserva indígena Rio-Silveiras na praia de Boracéia, no litoral norte de São Paulo. Com
outros jovens e crianças, ele
vende flores exóticas e palmito
na beira da rodovia.
Largos troncos de palmito
também são vendidos em Bela
Vista (BA), por jovens e crianças na beira da BR-101. "Pode
aparecer, das 5h às 18h, que eu
vou estar aqui vendendo", exalta Ailton Santos Dias, 19. Ele
abandonou a escola na 5ª série.
Seu colega de trabalho Gabriel
Ferreira dos Santos, 14, trabalha na estrada desde os 12.
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