São Paulo, domingo, 27 de dezembro de 2009

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Crianças correm atrás de comida nas margens da BR-101

Contrastes na maior rodovia litorânea do país vão de gasolina vendida a R$ 3,49 a menores pedindo esmola no acostamento

Famílias que hoje pedem ajuda no acostamento da rodovia tapavam buracos à procura de gorjetas de motoristas três anos atrás

Fernando Donasci/Folha Imagem
Morador da região Porto Real do Colégio, em Alagoas, toma banho na única bica disponível

ALENCAR IZIDORO
FERNANDO DONASCI

ENVIADOS ESPECIAIS À BR-101

No sul da Bahia, crianças se postam diante dos casebres precários, no acostamento da rodovia, e passam manhã e tarde com placas escritas em garranchos implorando pela parada de algum motorista: "precisamos de alimentos", "precisamos de comida", "precisamos de ajuda", dizem as inscrições mais habituais.
No litoral do Rio, a vista é de iates, lanchas e barcos de luxo atracados às margens da estrada, num lugar onde um posto chega a vender gasolina aditivada por R$ 3,49 -a mais cara encontrada pela reportagem na rota da BR-101, em mais de 4.500 km percorridos do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte nas últimas semanas.
Paisagens como as de Teixeira de Freitas (BA) e de Angra dos Reis (RJ), com histórias de miséria e riqueza extremas, são parte do principal trajeto litorâneo do Brasil.
As famílias que pedem socorro na beira da BR-101 são, em boa parte, as mesmas que até três anos atrás carregavam pás e terra para tapar os buracos, à procura da retribuição dos motoristas com gorjetas. "O asfalto está novo, não dá mais", lamenta Cleonice Jesus, 56, mãe de quatro crianças, de 5 a 9 anos, que atravessam a pista correndo assim que avistam qualquer indício de que algum veículo pode parar.
"Os caminhoneiros são os que mais ajudam. Trazem cesta básica, camiseta, sapato, de tudo um pouco", conta a mulher, que mora há mais de sete anos diante da BR-101 e afirma sobreviver com as doações e menos de R$ 70 do Bolsa Família.

Água comunitária
Em Alagoas, nas proximidades de Porto Real do Colégio, moradores fazem fila no acostamento da rodovia. Sem água encanada em casa, centenas de habitantes dependem de uma bica da BR-101 para matar a sede, lavar roupa e tomar banho -tudo na frente dos motoristas que passam pela estrada.
"Às vezes eu tomava banho quente, no posto de gasolina. O chuveiro quebrou, não dá mais", conta Felipe Alves, 16, que estuda na 5ª série do ensino fundamental.
Na região de Novo Lino (AL), as margens da BR-101 também servem de banheiro para quem mora na beira da rodovia. "Está vendo aquele matagal? É ali", explica Cícera Kaete Maria da Silva, 21, apontando para um trecho da estrada com bastante mato, prestes a invadir pedaços do acostamento. A jovem mora com o marido e o filho de dois anos em uma casa de pau a pique, sem água encanada. Para erguê-la, gastou R$ 500.
No acostamento da BR-101 também não faltam prostitutas, andarilhos e ambulantes, inclusive índios e crianças.
Às vezes, sob risco iminente de serem atropelados, já que mais de 80% da estrada são em pista simples -e motoristas infratores chegam a fazer do acostamento local para ultrapassar.
"Muita gente para aqui só pra tirar foto", diz Edson Evaristo, 20, o "Verá" em tupi-guarani, na reserva indígena Rio-Silveiras na praia de Boracéia, no litoral norte de São Paulo. Com outros jovens e crianças, ele vende flores exóticas e palmito na beira da rodovia.
Largos troncos de palmito também são vendidos em Bela Vista (BA), por jovens e crianças na beira da BR-101. "Pode aparecer, das 5h às 18h, que eu vou estar aqui vendendo", exalta Ailton Santos Dias, 19. Ele abandonou a escola na 5ª série. Seu colega de trabalho Gabriel Ferreira dos Santos, 14, trabalha na estrada desde os 12.


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