São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2001

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DEPOIS DOS 40
Para médicos, na vida real a chance de uma mulher engravidar como Helena, de "Laços de Família", não chega a 1%

Novela exagera probabilidade de gravidez

CLÁUDIA COLLUCCI
EDITORA-ASSISTENTE DE TREINAMENTO

A gravidez da personagem Helena, interpretada pela atriz Vera Fischer na novela "Laços de Família" da Rede Globo, causou um certo mal-estar entre os especialistas em medicina reprodutiva.
Na novela, Helena engravida naturalmente aos 44 anos, sem tratamento e em uma única noite de sexo. A chance de isso ocorrer na vida real, segundo os médicos, não chega a 1%.
Pesquisa feita nos EUA, com 126 mil gestantes, em um período de dez anos, mostra que apenas 0,6% delas tinha 44 anos. No Brasil, não há pesquisa semelhante.
Mesmo com a ajuda de remédios que estimulam a ovulação e das modernas técnicas de fertilização artificial, uma gravidez nessa idade também é difícil. As probabilidades não ultrapassam 8%, segundo o médico Paulo Serafini, 50, da clínica Huntington de São Paulo e chefe do departamento de Medicina Reprodutiva da Universidade de Yale.
Serafini afirma que, nas condições em que a personagem Helena se encontrava -óvulos velhos, estresse e nenhum tratamento hormonal anterior- , as chances de uma gravidez são quase nulas.
Para o médico José Gonçalves Franco Júnior, diretor do Centro de Reprodução Humana Sinhá Junqueira, o caso mostrado na novela acaba criando falsas expectativas nas mulheres.
Franco não tem nenhuma paciente acima de 42 anos que tenha conseguido engravidar com seus próprios óvulos. O mais comum, segundo ele, é essas mulheres receberem óvulos doados. Em sua clínica, das 43 pacientes que engravidaram com doação de óvulos, 70% tinham mais de 44 anos.
O médico Edson Borges, 40, diretor clínico da Fertility e presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, também não tem registro de gravidez de mulheres acima de 42 anos.
Ele afirma que, além da dificuldade de engravidar, uma mulher acima de 40 anos tem maior risco de sofrer aborto e muito mais probabilidade de gerar um bebê com síndrome de Down.
"Em uma mulher de 30 anos, as chances de o bebê apresentar a doença são de um para cada 1.500 nascimentos. Em uma mulher de 40, a probabilidade é de um a cada 50 nascimentos." Outro dado preocupante: das 34 mulheres acima de 42 anos que engravidaram na clínica, 16 abortaram.

Exceção
O caso da apresentadora Silvia Poppovic, 45, que deu à luz a filha Ana, no ano passado, depois de seis meses de tratamento na clínica Huntington, em SP, é considerado uma exceção pelos médicos.
"Não foi nada fácil. Foram muitas injeções na barriga e muito hormônio", diz Silvia, que prefere não revelar qual a técnica de fertilização utilizada para conseguir a gravidez e nem o número de tentativas realizadas "em respeito à privacidade da filha".
Depois de engravidar três vezes naturalmente, aos 38, 39 e 42 anos, e perder os bebês durante a gestação, a comerciante Cleusa Gouveia, 50, partiu para as fertilizações "in vitro".
Como não deu certo, decidiu adotar uma menina. Gostou tanto da experiência que acabou adotando outras sete crianças.

Citoplasma
Uma técnica que vem sendo utilizada por algumas clínicas de fertilização, embora ainda não existam estudos clínicos que comprovem a sua eficácia, é a transferência de citoplasma, indicada para mulheres com mais de 40 anos ou que produzem óvulos fracos.
De 10% a 20% do citoplasma do óvulo de uma doadora jovem é transferido para o óvulo da paciente para dar origem a embriões de melhor qualidade e com maior poder de implantação. Uma questão ética que envolve essa técnica refere-se à possibilidade de se transferir, junto com o citoplasma, material genético da doadora.

Religião
Mulheres que procuram ajuda da ciência para engravidar também apelam para a religião. Casos de pacientes que rezam durante a transferência dos embriões para o útero ou que carregam imagens de santos para a clínica de reprodução são bastante frequentes.
Na clínica Huntington, de São Paulo, por exemplo, há um pequeno altar com imagens de santos, santas e várias velas acesas, colocados por mulheres que conseguiram engravidar por meio da fertilização artificial.
A Igreja Católica tomou uma posição dúbia sobre a fertilização "in vitro". Por princípio, discorda desse tipo de reprodução por ser artificial. Por outro lado, o Vaticano dá espaço para que cada casal tenha oportunidade de resolver seu problema de infertilidade.


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