São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2007

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Obra de prédio dos Correios pára na Justiça

Escritório de arquitetos que planejou restauro de edifício em SP diz não garantir segurança de clientes em razão de mudanças feitas

Ação judicial de escritório pode fazer com que nome do grupo seja retirado do trabalho final; sustentação de clarabóia é criticada

Tuca Vieira/Folha Imagem
Prédio de 1922 dos Correios, projetado por Ramos de Azevedo

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Tinha tudo para ser uma festa. Depois de ficar fechado por cinco anos, o prédio histórico dos Correios em São Paulo será reaberto em 21 de março. É a maior agência postal do país, sediada num edifício de 1922 projetado pelo escritório de Ramos de Azevedo, um dos mais importantes arquitetos do início do século 20 no país. O projeto de restauro e modernização foi escolhido por meio de um concurso nacional do qual participaram 173 arquitetos.
Não convém, porém, convidar os vencedores da competição para a festa. Os arquitetos do escritório Una detestaram o resultado da obra -consideram que o projeto foi "adulterado" pelos Correios.

Projeto renegado
O Una Arquitetos não ficou só na reclamação. Entrou com ação judicial que, inicialmente, pede a produção de provas da suposta adulteração. Se isso for comprovado, o escritório pedirá na Justiça que o nome dos quatro arquitetos não seja associado à reforma do prédio. O repúdio à obra está previsto na Lei de Direitos Autorais.
"O projeto sofreu tantas alterações que não queremos que o nosso nome seja associado à obra", afirma a arquiteta Cristiane Muniz, que faz parte do Una com Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas. "A discussão não é se ficou bonito ou se não ficou tão ruim assim. O que interessa é que os Correios não cuidaram de um patrimônio da cidade", afirma Fernanda Barbara.
Na ação judicial, o escritório lista pelo menos dez itens da reforma que não seguiram o projeto original, de acordo com o grupo de arquitetos. As alterações são as seguintes:
1) O projeto estrutural de uma clarabóia foi modificado, sem a aprovação dos engenheiros calculistas que a conceberam. Na proposta original, quatro paredes sustentavam a clarabóia. Com a mudança, a estrutura de metal está apoiada só em duas paredes;
2) O piso e a forma de colocação foram alterados; foi incluído um rodapé de cor diferente do piso, algo que não existia no projeto premiado;
3) O projeto da laje do "foyer" foi mudado; com isso, o pé-direito do espaço ficou cerca de 30 centímetros mais baixo do que a concepção original;
4) As alterações contemporâneas deveriam ser em concreto aparente sem pintura, para deixar claro que houve intervenção no prédio. Esse critério não foi respeitado na obra;
5) Uma rua interna, resquício da época em que os bondes entravam no prédio para depositar e retirar correspondência, foi coberta, diferentemente do projeto original;
6) A escada rolante ficou mais curta do que estava na concepção original;
7) Os guardas-corpos foram feitos em material e desenho diferentes do previsto;
8) Os banheiros foram completamente alterados;
9) Foi introduzido um pilar no "foyer" do teatro;
10) A área das janelas na parte interna foi reduzida.
Ninguém duvida de que a mais grave das mudanças é a da clarabóia. Ricardo França, o engenheiro calculista que a projetou, diz em e-mail que não é possível garantir a sua segurança: "Os projetistas de estruturas não foram consultados nem cientificados sobre alterações na obra. Portanto não podemos nos responsabilizar tecnicamente por essas modificações". Em bom português, o engenheiro quer dizer que não pode garantir que a estrutura metálica não vá cair.
Além da clarabóia, França diz que sofreram alterações estruturais as lajes de cobertura da agência postal e do "foyer".
O mais estranho de todo o processo, dizem os arquitetos, é que os Correios nunca permitiram que eles acompanhassem a obra. "Isso é inédito no mundo. Não conheço uma obra desse porte [18,8 mil m2] que não fosse acompanhada pelos arquitetos que fizeram o projeto", afirma Fernanda. Outros arquitetos foram contratados para acompanhar a construção.
A falta de acompanhamento dos autores do projeto não foi o único percalço da obra. Em 2005, o Ministério Público Federal conseguiu que o restauro fosse paralisado por cerca de cinco meses porque não havia projeto para as partes históricas remanescentes. Os arquitetos do Una haviam sugerido que Beatriz Kuhl, professora da USP que já trabalhou com restauro histórico na Bélgica, acompanhasse o processo, mas a proposta foi recusada.
Naquele mesmo ano, uma auditoria da CGU (Controladoria Geral da União) apontou que a obra estava superfaturada em R$ 1,96 milhão.
Fernanda diz que a atitude do escritório pode parecer coisa de desmancha-prazeres. O problema é outro, diz ela: "Não podemos tratar o patrimônio histórico de forma ligeira, como se fosse mais uma agência ou um shopping. Seria uma irresponsabilidade ficar quieto diante de tantas mudanças".


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