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Cidade funcional deve ter múltiplos centros, diz senador francês
Especialista Yves Dauge afirma que transporte sobre trilho e bairros multifuncionais são segredo para metrópoles integradas socialmente
Para ex-diretor de Urbanismo da França, cidades planejadas dependem de corrida entre vontades política e privada e os assentamentos irregulares
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Transportes sobre trilhos,
bairros multifuncionais e múltiplos centros são o segredo de
uma cidade funcional e integrada socialmente, diz o senador
socialista Yves Dauge, que chefiou a delegação da França no
5º Fórum Mundial Urbano, encerrado na sexta no Rio.
Dauge, 75, foi diretor de Urbanismo do Ministério da Infraestrutura durante a Presidência de François Mitterrand
(1981-1995), quando coordenou as "grandes obras", que incluem a pirâmide do Louvre.
Promotor de lei que prevê
que toda cidade francesa deve
ter pelo menos 20% de moradias sociais, Dauge diz que, para
uma cidade planejada, a vontade política tem que travar uma
"corrida incessante" com os investimentos privados e os loteamentos irregulares. Abaixo,
trechos da entrevista à Folha.
FOLHA - Vemos uma competição
entre países para ver quem faz o
prédio mais alto, mais inusitado. Há
uma dicotomia entre grandes obras
e uma cidade menos segregada?
YVES DAUGE - É falsa a ideia de
que, quanto mais rica a cidade,
mais os pobres serão bem tratados. Há mais do que dicotomia,
há uma contradição. A cidade
deve ser integrada social e territorialmente. Mas é preciso
uma força política enorme para
se chegar a isso.
FOLHA - As grandes cidades brasileiras têm má integração viária entre a periferia e o centro. Como lidar
com isso?
DAUGE - Com um sistema de
transporte coletivo e com o
conceito de multicentros. Sempre há um centro maior, em geral ligado à história da cidade.
Mas os grandes aglomerados
urbanos têm que ter múltiplos
centros. Para isso, é preciso investimento intelectual e uma
corrida incessante entre a vontade política e os investidores
privados, os especuladores e os
assentamentos irregulares, que
não esperam.
FOLHA - Como contornar os efeitos
sobre a ocupação territorial das disparidades de renda?
DAUGE - Com uma abordagem
fiscal. É possível redistribuir a
renda dos impostos dos bairros
que produzem muita riqueza
para os mais pobres. Na França,
criamos o Imposto de Solidariedade Urbana.
FOLHA - Como convencer os que
devem pagar mais dos benefícios
que poderão ter?
DAUGE - É papel do político. A
desigualdade não vai ser revertida naturalmente, e as ilhas de
riqueza não podem sobreviver
num mundo que se revoltará
contra elas.
FOLHA - O senhor pode apontar na
França exemplos positivos de cidades integradas?
DAUGE - Nantes, por exemplo,
é cercada a leste e ao norte por
bairros e subúrbios com muitas
moradias sociais.
FOLHA - Neste ano, completam-se
cinco anos da revolta de jovens desempregados nas periferias das
grandes cidades francesas. O problema foi sanado?
DAUGE - Essa questão tem uma
dimensão urbanística, mas é
sobretudo ligada à imigração, e
portanto à colonização, que
deixou uma marca nos dois lados. Essa história pode se diluir, mas ela não terminou.
Quando o Partido Socialista estava no poder, tentou criar uma
polícia de proximidade nos subúrbios. A direita acabou com o
projeto. Sempre é possível demolir os conjuntos residenciais, e dar uma pequena casa a
cada um, como a direita já propôs. Mas isso é uma utopia total, porque a cidade não é a acumulação de casas individuais,
mas um projeto coletivo. Entramos numa espiral perigosa,
e precisamos recriar os laços,
para restaurar a confiança que
acabou.
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