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RIO
Luciana Gonçalves de Novaes, tetraplégica e há quase um ano em hospital, espera ver o mar; ela falou por meio de aparelho
Vítima de bala em campus diz não ter raiva de atirador
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
Assim que voltou a falar, Luciana Gonçalves de Novaes, 20, vítima de um dos crimes de maior repercussão no Rio nos últimos
anos, reagiu com um bom humor
que dificilmente se espera de
quem está há quase um ano no
leito de um hospital. "Minha voz
parece a do Pato Donald", brincou ela, em dezembro.
Ela foi atingida no dia 5 de maio
do ano passado por uma bala no
campus da Universidade Estácio
de Sá (zona norte carioca).
Ontem, quatro meses após ter
recuperado a fala no Hospital
Pró-Cardíaco (zona sul), ela falou
com a Folha por telefone. Disse
que não sente raiva de quem disparou a bala que atingiu sua coluna vertebral e a deixou tetraplégica e que acredita que, por alguma
razão maior, deveria mesmo estar
no local do crime.
A responsável do setor de fisioterapia do hospital, Cintia Gonçalves Fernandes, diz que o tratamento que devolveu a fala a Luciana foi relativamente simples,
mas envolveu um trabalho de vários profissionais que pesquisaram soluções em revistas médicas
especializadas no exterior.
A dificuldade era fazer ela falar
com um aparelho que a faz respirar pela traquéia. "Não foi nenhum milagre. Ela não apresenta
lesão no aparelho fonador. Fizemos uma pesquisa em revistas especializadas e descobrimos que,
fazendo um ajuste relativamente
simples no respirador, era possível fazer com que ela falasse. Foi o
que aconteceu", disse Fernandes.
O inquérito que apura a responsabilidade pelo crime ainda não
foi concluído. Dois suspeitos estão presos: Cleiton Ângelo da Cunha, preso em dezembro de 2003
num assalto com a pistola de onde partiu o tiro que atingiu a estudante, e Elton dos Santos, preso
em julho do ano passado. A seguir, a entrevista de Luciana:
Folha - Depois de falar, qual seu
próximo objetivo?
Luciana Gonçalves de Novaes -
Quero sair um pouco do hospital
para ver o mar. Para isso, preciso
de uma cadeira de rodas com respirador. Já estou há um ano aqui
dentro [do hospital] e tive poucas
chances de me locomover. Foi
uma emoção muito grande quando eu consegui ver o céu, quando
os médicos colocaram minha maca na varandinha que tem aqui no
quarto. Às vezes, as pessoas correm tanto na vida que não têm
tempo de olhar o mar e o céu.
Queria dizer que isso é muito importante e que elas deveriam dar
mais valor a essas situações.
Folha - Você já se deu conta da comoção que causou?
Luciana - Tive essa noção após
perceber a quantidade de repórteres que procuram minha família e
o número de cartas e e-mails que
recebo. Tenho uma pasta cheia de
mensagens. Fico feliz em saber
que têm muitas pessoas orando
por mim e que eu posso representar muito para elas. São essas orações e minha fé em Deus que me
dão força e esperança. Eu sei que
vou melhorar cada vez mais e não
sinto mágoa das pessoas que fizeram isso comigo.
Folha - Você se lembra de alguma
coisa do dia em que foi atingida pela bala?
Luciana - Só tenho lembrança do
momento em que cheguei à faculdade. Depois disso, não lembro
mais de nada. Lembro que senti
vontade de não ir para a faculdade
naquele dia. Cheguei a me levantar por duas vezes do ônibus e
quase desisti, mas, como tinha
prova, acabei indo. Se Deus me
deixou ir para a faculdade, é porque Ele tinha um plano para mim
e estou cumprindo minha missão
na vida.
Folha - Como é sua rotina hoje?
Luciana - Há cerca de duas semanas, ganhei um computador
[que ela controla a partir de sensores que acompanham o movimento dos olhos]. Gosto de ler as
notícias, mas o que eu mais faço é
ler a Bíblia, que me dá muita força
para entender tudo isso que está
acontecendo comigo.
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