São Paulo, quarta-feira, 28 de abril de 2004

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RIO

Luciana Gonçalves de Novaes, tetraplégica e há quase um ano em hospital, espera ver o mar; ela falou por meio de aparelho

Vítima de bala em campus diz não ter raiva de atirador

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Assim que voltou a falar, Luciana Gonçalves de Novaes, 20, vítima de um dos crimes de maior repercussão no Rio nos últimos anos, reagiu com um bom humor que dificilmente se espera de quem está há quase um ano no leito de um hospital. "Minha voz parece a do Pato Donald", brincou ela, em dezembro.
Ela foi atingida no dia 5 de maio do ano passado por uma bala no campus da Universidade Estácio de Sá (zona norte carioca).
Ontem, quatro meses após ter recuperado a fala no Hospital Pró-Cardíaco (zona sul), ela falou com a Folha por telefone. Disse que não sente raiva de quem disparou a bala que atingiu sua coluna vertebral e a deixou tetraplégica e que acredita que, por alguma razão maior, deveria mesmo estar no local do crime.
A responsável do setor de fisioterapia do hospital, Cintia Gonçalves Fernandes, diz que o tratamento que devolveu a fala a Luciana foi relativamente simples, mas envolveu um trabalho de vários profissionais que pesquisaram soluções em revistas médicas especializadas no exterior.
A dificuldade era fazer ela falar com um aparelho que a faz respirar pela traquéia. "Não foi nenhum milagre. Ela não apresenta lesão no aparelho fonador. Fizemos uma pesquisa em revistas especializadas e descobrimos que, fazendo um ajuste relativamente simples no respirador, era possível fazer com que ela falasse. Foi o que aconteceu", disse Fernandes.
O inquérito que apura a responsabilidade pelo crime ainda não foi concluído. Dois suspeitos estão presos: Cleiton Ângelo da Cunha, preso em dezembro de 2003 num assalto com a pistola de onde partiu o tiro que atingiu a estudante, e Elton dos Santos, preso em julho do ano passado. A seguir, a entrevista de Luciana:
 

Folha - Depois de falar, qual seu próximo objetivo?
Luciana Gonçalves de Novaes -
Quero sair um pouco do hospital para ver o mar. Para isso, preciso de uma cadeira de rodas com respirador. Já estou há um ano aqui dentro [do hospital] e tive poucas chances de me locomover. Foi uma emoção muito grande quando eu consegui ver o céu, quando os médicos colocaram minha maca na varandinha que tem aqui no quarto. Às vezes, as pessoas correm tanto na vida que não têm tempo de olhar o mar e o céu. Queria dizer que isso é muito importante e que elas deveriam dar mais valor a essas situações.

Folha - Você já se deu conta da comoção que causou?
Luciana -
Tive essa noção após perceber a quantidade de repórteres que procuram minha família e o número de cartas e e-mails que recebo. Tenho uma pasta cheia de mensagens. Fico feliz em saber que têm muitas pessoas orando por mim e que eu posso representar muito para elas. São essas orações e minha fé em Deus que me dão força e esperança. Eu sei que vou melhorar cada vez mais e não sinto mágoa das pessoas que fizeram isso comigo.

Folha - Você se lembra de alguma coisa do dia em que foi atingida pela bala?
Luciana -
Só tenho lembrança do momento em que cheguei à faculdade. Depois disso, não lembro mais de nada. Lembro que senti vontade de não ir para a faculdade naquele dia. Cheguei a me levantar por duas vezes do ônibus e quase desisti, mas, como tinha prova, acabei indo. Se Deus me deixou ir para a faculdade, é porque Ele tinha um plano para mim e estou cumprindo minha missão na vida.

Folha - Como é sua rotina hoje?
Luciana -
Há cerca de duas semanas, ganhei um computador [que ela controla a partir de sensores que acompanham o movimento dos olhos]. Gosto de ler as notícias, mas o que eu mais faço é ler a Bíblia, que me dá muita força para entender tudo isso que está acontecendo comigo.


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