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WALTER CENEVIVA
Judiciário em choque
Relendo as palavras de 1979, fico em dúvida quanto à possibilidade da breve melhora estrutural desejada
OS TRABALHADORES jurídicos
estão em choque provocado
pela crise do escândalo em
curso. Não os consola dizer que os
corruptos são minoria. Mais importante será reconhecer que o escândalo teria menores proporções se os
órgãos disciplinadores das profissões envolvidas houvessem sido
atentos para indícios e evidências,
nos quais é possível caracterizar um
começo de ilicitudes e de desmandos para, a partir daí, desenvolver
investigações sérias e profundas.
Publiquei nesta mesma Folha,
em 19 de agosto de 1979 (sim, há
quase 28 anos), "Perspectivas do
sistema judiciário brasileiro". Uma
das minhas conclusões, perdoada a
pretensão, foi profética: "O caos se
aproxima". Fiz sugestões corretoras. Nesse velho texto, concluí que
as condições então dominantes se
revelavam explosivas. E anotei: "O
sistema judicial brasileiro precisa
acordar para essa realidade. É bom
que o faça logo. Até por instinto de
sobrevivência digna".
Fui tachado de pessimista. Alguns me viram adversário da magistratura. Não liguei, porque tenho clara visão de que os "operários" da máquina da Justiça são irmãos do mesmo ofício. Todos nós
ligamos constitucionalmente a tarefa de dar a cada um o que é seu.
Quando o Judiciário acumula
processos, sem os julgar, perdemos
todos. Quando se entrega ao Executivo, permitindo que eternize o
calote, perdemos todos. Quando os
tribunais se fecham sobre si mesmos, recusando-se a averiguar notícias sérias sobre corrupção de
seus componentes, quando a Ordem dos Advogados não apura
condutas irregulares de seus inscritos, inclusive no despreparo
profissional deles, quando o Ministério Público mantém silêncio em
face de exageros e injustiças de
seus membros, com olhos nas câmeras de televisão, descurando do
justo, perdemos todos.
Perdem também a moralidade
(exigência do artigo 37 da Constituição) e a ética, ausente nos eventos destes dias. A crise atual tem o
lado positivo ao afastar a visão do
juiz intocável, nas palavras do ministro Gilmar Dipp, do STJ, em entrevista nesta Folha. O juiz vai ampliar a percepção de que, como
agente público, está a serviço do
povo, na feliz avaliação de Dipp.
A esperança de dias melhores parecerá oca para quem viva o mundo das nossas justiças injustas, mas
a situação atual é diferente. As medidas adotadas pela Polícia Federal
com muita qualidade foram abonadas pelo despacho severo, mas justo, do ministro Cesar Peluso. O vazamento que beneficiou os acusados foi o contraponto lamentável,
pois ocultaram bens, transferiram
valores -segundo a polícia-, mas
alguns bons efeitos são notados.
Relendo, contudo, as palavras de
1979 e comparando a descrição, as
críticas e sugestões balzaquianas,
fico em dúvida quanto à possibilidade da breve melhora estrutural
desejada. Juízes, promotores e advogados devem defender sua verdade. Mas isso tem um preço, que
não vem sendo pago, da verdade
não corporativa na crítica dos comportamentos irregulares. Nesse
perfil é natural o destaque do juiz,
pois sua sentença concretiza a lei.
O juiz inepto é mais fácil de afastar.
O corrupto é arisco. Sobrevive até
na indiferença culposa de seus
iguais. É preciso reverter o quadro.
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