São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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WALTER CENEVIVA

Liberdades confrontadas


Proibir ou limitar entrevistas de candidatos sob alegação de propaganda eleitoral distorce o espírito e a finalidade da lei

A FOLHA E OUTROS órgãos de comunicação foram punidos pela Justiça Eleitoral sob a alegação de propaganda política de entrevistados fora do tempo que a lei permite. Tais restrições partiram de uma inversão da boa interpretação do direito, o que pretendo demonstrar a partir de dois princípios.
O primeiro se liga à constitucionalidade da norma discutida, como suporte das conclusões quanto à sua eficácia. O intérprete da lei busca, em segundo lugar, o objetivo visado e a função social a que se destina. Importa mais que o sentido literal da lei. Foi o que fez o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), corrigindo a restrição de instâncias inferiores.
A finalidade social para aplicação dos princípios legais se liga ao bem geral visado por eles. Os bons autores dizem que, havendo conflito entre dois princípios, predomina aquele cujo peso seja relativamente maior. O de menor peso não se perde, mas não supera o primeiro. Na discussão da multa aplicada pela Justiça Eleitoral, os princípios discutidos são dois, ambos previstos no artigo 5º da Constituição: o da igualdade de oportunidades para todos (inclusive partidos políticos e candidatos) e o da liberdade de manifestação do pensamento e de informação, livre de qualquer forma de censura, reforçado pelo artigo 220. Esse é o princípio maior quando se cuida da liberdade de informação.
Não há maior ofensa ao direito escrito que a violação constitucional. A sentença criticada questionou o fato de ser entrevistada a ex-prefeita Marta Suplicy, afastada igual oportunidade a outros políticos.
Se a entrevista publicada fosse infração da lei, quem poderia reclamar? A resposta parece óbvia: apenas outro partido interessado no mesmo pleito teria motivo para reclamar. Não o Ministério Público. O leitor pode objetar que o Ministério Público se dirigiu ao Judiciário na função de fiscal da lei. A primeira legitimidade, porém, é a de algum partido que se tenha considerado prejudicado. Se não fosse assim, o Ministério Público teria de adotar a mesma linha nos mais de 5.000 municípios brasileiros, com cada entrevista divulgada, mesmo em jornais de fora do município.
Vista a questão sob outro ângulo, os fins sociais da lei não podem impor a exclusão de qualquer manifestação dos candidatos ou pré-candidatos, uma vez assegurada a igualdade de tratamento a todos. Pela própria natureza das coisas, é inviável divulgar as entrevistas de todos os candidatos ao mesmo tempo nos meios impressos. A sanção aplicada a este jornal incidiu em erro porque não aguardou uma pluralidade de casos que lhe permitisse reconhecer tratamento discriminatório de partido ou partidos não ouvidos.
A pena imposta também interpretou mal o artigo 220 da Carta Magna, ligado à plena garantia da manifestação do pensamento. Ora, o processo eleitoral, em qualquer tempo, é composto pelas opiniões de seus integrantes, a respeito dos problemas existentes e propostas de suas soluções. Proibi-las ou limitá-las sob a improcedente alegação de que entrevistas constituem propaganda eleitoral distorce o espírito e a finalidade da lei. A sentença, nesse passo, se fosse levada ao pé da letra terminaria impedindo o enunciado de qualquer idéia de qualquer político, o que só se viu durante a ditadura. Andou bem o TSE.


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