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FEBEM
Interno conta como virou traficante para comprar o que queria, tornou-se popular por 3 meses e acabou preso aos 14 anos
Crime trouxe dinheiro e garotas, diz jovem
DA REPORTAGEM LOCAL
De uma hora para outra, o adolescente G. virou uma pessoa popular. Chamava a atenção das
meninas da escola de seu bairro,
passou a ter muitas namoradas.
Pessoas que nem conhecia vinham falar com ele, bebiam sua
cerveja, chamavam-no respeitosamente de "patrão".
A popularidade do adolescente
durou três meses. Ele foi preso
por tráfico em 2002 e internado
na Febem. Agora ele ironiza o que
chama de falsos amigos. "Foi tudo
ilusão", resume. De fala bem articulada e sem gírias, o adolescente
conta que usou o dinheiro das
drogas para comprar roupas caras, uma moto usada e se preparava, antes de ser preso, para adquirir o primeiro carro aos 14 anos.
Folha - O que fez você entrar para
o tráfico?
G. - Entrei por causa de um amigo e vi que dava dinheiro rápido.
A droga vendia rapidinho. Coloquei dois moleques [de 13 e 12
anos] para vender para mim.
Quando fui preso, um dia normal
da biqueira dava R$ 600. No final
de semana, dava até mais.
Folha - Como era a venda?
G. - Os moleques ficavam jogando bola ou empinando pipa o dia
inteiro no final da rua onde eu
morava. Montei a biqueira [ponto-de-venda de droga] ali. Eu
comprava a droga no centro da cidade e dava para eles venderem.
Vinha gente a pé, de bicicleta, de
carro, até a cavalo (ri).
Folha - Como você aprendeu isso?
G. - Fiquei um dia inteiro na biqueira de um amigo meu. A biqueira tirava até R$ 5.000 por dia.
Folha - O que ele ensinou a você?
G. - Que a droga tem de ser boa.
Eu nunca fiz mistura, ia como vinha. Tem de fazer a trouxinha
[onde a droga é embalada] com
bastante quantidade para o cara
voltar.
Folha - E como as pessoas passaram a tratá-lo?
G. - As meninas da escola que
antes nem olhavam para mim
passaram a me dar beijinho no
rosto e me chamar pelo apelido.
Tinha uma ou outra namorada.
Depois da biqueira, ficava com
várias. Pessoas que nem conheciam vinham falar comigo no salão [baile que frequentava]. Me
chamavam de patrão para cá, patrão para lá.
Folha - E você não pensava que
poderia ser preso?
G. - Eu fiquei iludidão com tudo
aquilo. Com dinheiro eu não pensava em nada. Eu andava limpo.
Me ofereciam armas. Até uma
Uzzi [submetralhadora] me ofereceram por R$ 3.800. Mas nem
arma eu usava para a polícia não
me pegar.
Folha - Como você foi preso?
G. - Eu não tinha ido depor por
causa de uma tentativa de homicídio. Minha mãe esqueceu o dia.
Policiais foram atrás de mim em
casa e encontraram 150 gramas de
maconha. Foi muito azar. Eu
nunca andava com maconha.
Sempre andava limpo. Mandava
os moleques guardarem a droga.
Já fui office-boy, empacotador de
supermercado, ajudante de pedreiro, entregador de panfleto.
Ganhava uma miséria. Não podia
comprar as roupas e os tênis que
eu queria.
Folha - Você ainda pensa assim?
G. - Não adianta nada ganhar
muito e ficar preso, morrer de
graça. Tive muitos amigos mortos
e presos. Estou sossegado. Quero
fazer um curso e trabalhar.
(GILMAR PENTEADO)
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