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São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 2003

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FEBEM

Interno conta como virou traficante para comprar o que queria, tornou-se popular por 3 meses e acabou preso aos 14 anos

Crime trouxe dinheiro e garotas, diz jovem

DA REPORTAGEM LOCAL

De uma hora para outra, o adolescente G. virou uma pessoa popular. Chamava a atenção das meninas da escola de seu bairro, passou a ter muitas namoradas. Pessoas que nem conhecia vinham falar com ele, bebiam sua cerveja, chamavam-no respeitosamente de "patrão".
A popularidade do adolescente durou três meses. Ele foi preso por tráfico em 2002 e internado na Febem. Agora ele ironiza o que chama de falsos amigos. "Foi tudo ilusão", resume. De fala bem articulada e sem gírias, o adolescente conta que usou o dinheiro das drogas para comprar roupas caras, uma moto usada e se preparava, antes de ser preso, para adquirir o primeiro carro aos 14 anos.
 

Folha - O que fez você entrar para o tráfico?
G. -
Entrei por causa de um amigo e vi que dava dinheiro rápido. A droga vendia rapidinho. Coloquei dois moleques [de 13 e 12 anos] para vender para mim. Quando fui preso, um dia normal da biqueira dava R$ 600. No final de semana, dava até mais.

Folha - Como era a venda?
G. -
Os moleques ficavam jogando bola ou empinando pipa o dia inteiro no final da rua onde eu morava. Montei a biqueira [ponto-de-venda de droga] ali. Eu comprava a droga no centro da cidade e dava para eles venderem. Vinha gente a pé, de bicicleta, de carro, até a cavalo (ri).

Folha - Como você aprendeu isso?
G. -
Fiquei um dia inteiro na biqueira de um amigo meu. A biqueira tirava até R$ 5.000 por dia.

Folha - O que ele ensinou a você?
G. -
Que a droga tem de ser boa. Eu nunca fiz mistura, ia como vinha. Tem de fazer a trouxinha [onde a droga é embalada] com bastante quantidade para o cara voltar.

Folha - E como as pessoas passaram a tratá-lo?
G. -
As meninas da escola que antes nem olhavam para mim passaram a me dar beijinho no rosto e me chamar pelo apelido. Tinha uma ou outra namorada. Depois da biqueira, ficava com várias. Pessoas que nem conheciam vinham falar comigo no salão [baile que frequentava]. Me chamavam de patrão para cá, patrão para lá.

Folha - E você não pensava que poderia ser preso?
G. -
Eu fiquei iludidão com tudo aquilo. Com dinheiro eu não pensava em nada. Eu andava limpo. Me ofereciam armas. Até uma Uzzi [submetralhadora] me ofereceram por R$ 3.800. Mas nem arma eu usava para a polícia não me pegar.

Folha - Como você foi preso?
G. -
Eu não tinha ido depor por causa de uma tentativa de homicídio. Minha mãe esqueceu o dia. Policiais foram atrás de mim em casa e encontraram 150 gramas de maconha. Foi muito azar. Eu nunca andava com maconha. Sempre andava limpo. Mandava os moleques guardarem a droga. Já fui office-boy, empacotador de supermercado, ajudante de pedreiro, entregador de panfleto. Ganhava uma miséria. Não podia comprar as roupas e os tênis que eu queria.

Folha - Você ainda pensa assim?
G. -
Não adianta nada ganhar muito e ficar preso, morrer de graça. Tive muitos amigos mortos e presos. Estou sossegado. Quero fazer um curso e trabalhar.
(GILMAR PENTEADO)


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