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TRAGÉDIA EM CONGONHAS/INVESTIGAÇÃO
Fiscal liberou pista sem sair do carro no dia do acidente
Funcionário fez 3 ziguezagues com veículo e disse não ter visto poças nem lâmina d'água
Ele não teve treinamento específico da Infraero para desempenhar essa tarefa, apenas orientações de colegas mais experientes
GILMAR PENTEADO
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O fiscal designado pela Infraero (empresa estatal que administra os aeroportos) para
vistoriar a pista principal do aeroporto de Congonhas por causa da chuva antes do acidente
com o avião da TAM, no último
dia 17, nem desceu do carro para fazer a inspeção.
Fez três ziguezagues com o
carro na pista e, segundo ele,
não visualizou nenhuma poça
ou lâmina d'água. Seu relato fez
a pista do aeroporto ser liberada minutos depois.
O fiscal também não teve nenhum treinamento específico
da Infraero para desempenhar
essa tarefa -apenas orientações de funcionários mais antigos. Ele foi designado para a
função de responsável de turno
(fiscal que faz as vistorias de
pista) naquele dia porque um
funcionário mais experiente
estava de férias.
As condições da pista são
uma das linhas da investigação
da Polícia Civil e do Ministério
Público Estadual, que apuram a
responsabilidade criminal sobre o acidente. Pilotos reclamaram à torre que a pista estava
escorregadia.
O fiscal de pista Agnaldo Molina Esteves e o responsável pelo COE (Centro de Operações e
Emergência) da Infraero, Esdras Barros, que pegou carona
no carro usado na vistoria, foram ouvidos pela polícia na terça-feira. Eles isentaram a Infraero da responsabilidade sobre o acidente. Afirmaram que
a inspeção foi visual e que não
havia lâminas d'água.
À Folha, Agnaldo Esteves
contou, no entanto, mais detalhes da inspeção. Disse que não
saiu do carro. Mas que, mesmo
assim, conseguiu ver que não
havia poças nem lâminas d'água na pista -a medição, com
uma régua, só é feita quando
são identificadas lâminas, que
não podem chegar a 3 mm.
Não é difícil
Segundo ele, esse é um procedimento de praxe que aprendeu com funcionários mais experientes. "Não tem treinamento específico porque não é
difícil. Você acaba aprendendo
com o tempo, com a experiência dos mais velhos", disse.
Com ensino médio, Esteves está há quatro anos na Infraero.
Ele diz que a função de vistoriar a pista em dias de chuva é
do "responsável de turno", um
fiscal mais experiente. Conta
que passou a exercê-la esporadicamente a partir da metade
deste ano, por causa de férias
de funcionários mais antigos.
"Ficava [na função] quando
faltava alguém ou alguém saía
de férias."
Foi o que ocorreu no dia 17.
Era a primeira vez que vistoriava a pista reformada, reaberta
em 29 de junho.
O fiscal disse não se lembrar
quantas vezes fez essa vistoria
na pista antiga. "Não era muito
freqüente."
No depoimento à polícia, o
arquiteto e especialista em segurança Esdras Barros procurou diminuir sua participação.
Ele pegava carona quando Esteves foi designado para a função. Disse que foi apenas o fiscal que analisou a pista e repassou a informação à torre.
Esteves, no entanto, dividiu a
responsabilidade. "A análise foi
feita pelos dois. Ele tem o conhecimento maior que o meu.
Ele passou o que deveria falar."
Demonstrando nervosismo
ao ser abordado pela reportagem, Barros, que está há 24
anos na Infraero, disse que não
tinha nada para falar sobre a
pista nem sobre a inspeção realizada no dia 17.
"Olhômetro"
De acordo com o promotor
Mário Luiz Sarrubbo, o fiscal
responsável pela verificação da
pista no dia do acidente parece
ter seguido os procedimentos
de praxe. O problema é saber
se o método é eficiente, conforme ele.
"Será que dá para ver tudo às
5h da tarde, com tempo de chuva?", questiona o promotor, ao
se referir ao horário da vistoria.
"Se o padrão [de inspeção] era
este, temos de saber se é o adequado para essas ocasiões."
As normas para a vistoria geram dúvidas até mesmo entre
especialistas e entidades de
classe.
Segundo Carlos Camacho,
diretor de segurança de vôo do
Sindicato dos Aeronautas, a Infraero informou à entidade que
as inspeções são realizadas por
pessoas habilitadas, mas não
detalhou a formação nem possíveis cursos de capacitação para a tarefa. "A Infraero pode ser
responsabilizada criminalmente se não colocar alguém
habilitado para essa função."
Para Célio Eugênio de Abril
Júnior, assessor de segurança
de vôo do mesmo sindicato, não
há como fazer uma verificação
eficiente das condições da pista
na chuva desta forma. "Dentro
do carro? No olhômetro? Não é
assim que se faz medição."
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