São Paulo, quarta-feira, 28 de agosto de 2002

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INFÂNCIA

Servidores são acusados de espancar adolescentes e traficar drogas na unidade Parelheiros, que já foi desativada

Justiça manda prender 14 da Febem-SP

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em uma decisão inédita no Estado de São Paulo, a Justiça determinou a prisão preventiva de 14 funcionários da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) por prática de tortura, formação de quadrilha e tráfico de drogas.
Os crimes teriam ocorrido entre março e abril deste ano, na unidade da Febem de Parelheiros (zona sul de São Paulo). A unidade foi desativada em julho. Dezenove adolescentes teriam sido agredidos pelos funcionários.
A decisão da juíza Leyla Maria da Silva Lacaz, da 18ª Vara Criminal de São Paulo, tem data do dia 23 de agosto, mas só foi entregue ontem ao cartório. A prisão por crime de tortura, determinada a partir da denúncia do promotor criminal Alfonso Presti, é inédita na história da Febem.
Dezesseis funcionários já tinham sido denunciados por tortura em um suposto espancamento na unidade Raposo Tavares (zona oeste de São Paulo), ocorrido em novembro de 2000, mas ninguém foi preso.
Na decisão, a juíza disse que determinou a prisão preventiva porque "há indícios suficientes de autoria e materialidade dos delitos" e porque testemunhas foram ameaçadas. Um funcionário, que confirmou as agressões, disse à Justiça que teve de mudar de Estado por causa das ameaças. Um adolescente também afirmou que sofreu represálias.
Tiveram a prisão preventiva decretada: Marcos Pereira de Oliveira, Cláudio Lima dos Santos, Marcelo Pereira de Oliveira, Marco Antônio Sanches, Silvano de Jesus Francelino, Edilson Bezerra Leite, Alexandre Soares, Joel Miguel, Sérgio Aparecido Almeida, Valter dos Santos, José Clóvis Monteiro Martins, Wilson Tadeu de Oliveira, Márcio Soares de Almeida e Armando Leandro dos Santos.
Segundo o Tribunal de Justiça, a 18º Vara Criminal encaminhou ontem ao Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais) os mandados de prisão. O Dipo, por sua vez, vai repassar esse pedidos para a Divisão de Capturas (Decap) da Polícia Civil.
A juíza também aceitou a denúncia do promotor Alfonso Presti e determinou abertura de processo criminal para apurar os crimes de tortura, formação de quadrilha e tráfico de drogas.

Episódios
No pedido de prisão, o promotor relatou dois episódios de agressões e um de tráfico. O primeiro teria ocorrido em 15 de março deste ano, quando 14 adolescentes teriam sido espancados na unidade Parelheiros.
As outras duas situações teriam ocorrido no dia 14 de abril deste ano. Segundo a denúncia, aceita pela juíza, o funcionário Alexandre Soares teria oferecido maconha pela manhã para cinco adolescentes da Febem.
A intenção era fazer um flagrante do grupo. Isso foi feito à noite, o que teria motivado novas agressões nos menores. As lesões são apontadas nos laudos de exame de corpo de delito.
Nos relatos, os adolescentes afirmaram que receberam socos, pontapés e golpes com barras de ferro e de madeira. No final, segundo os menores, eles recebiam um banho de água fria para amenizar os hematomas.
O promotor Alfonso Presti afirmou que a descoberta de "objetos de tortura" em uma sala da unidade, no dia 29 de abril passado, possibilitou a comprovação dos crimes de tortura e também de formação de quadrilha.
Promotores da Infância e Juventude de São Paulo localizaram cassetetes de metal, barras de madeira, uma chave chinesa, um "espancador" feito com bico de um extintor de incêndio e uma corrente grossa de ferro.
"Esses instrumentos mostram que existia uma associação estável de agentes com objetivo de cometer crimes. Isso nada mais é que cometer o delito de formação de quadrilha", disse Presti.
O promotor afirma que a determinação da prisão tem um "caráter pedagógico". "Isso mostra que as instituições e a sociedade não compactuam com esses crimes", disse Presti.
A assessoria da Febem informou que dos 14 funcionários que tiveram a prisão decretada, apenas cinco continuam vinculados à fundação. Segundo o órgão, existe uma sindicância em andamento que ainda não comprovou o envolvimento desses cinco nas agressões, mas que eles estão em serviços administrativos.
Em nota oficial, a Febem reconheceu que a "unidade de Parelheiros, que teve de ser usada de forma emergencial, não era adequada e, por isso, fechou definitivamente o local".


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