São Paulo, sábado, 28 de agosto de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Conselho de jornalismo como censura indireta

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Depois de duas colunas dedicadas ao projeto que cria conselhos de jornalismo nos níveis nacional (CFJ) e regional (CRJ), cabe uma terceira e última, dedicada a pontos específicos do texto oficial. Desde a primeira, foram numerosas as opiniões emitidas vindas das áreas jurídica e jornalística. Não vejo razão para mudar as que publiquei, pois manifestações contrárias são fundamentais para o esclarecimento do assunto. Este complemento poderá ser útil, no limite das três crônicas programadas.
Começo pela constatação de que várias competências do Conselho Federal de Jornalismo foram copiadas, quase literalmente, das que a lei nº 8.906/94 atribui ao Conselho Federal da OAB. A cópia, mesmo quando tenha sido fiel, significa pouco: a OAB não é autarquia da administração pública indireta, como o serão os conselhos jornalísticos. A entidade da advocacia merece, além disso, dignidade constitucional própria, única entre as corporações profissionais.
Quando o projeto parou de copiar o estatuto dos advogados e alterou o texto, foi para pior. Veja-se o projetado inciso IX, artigo 2º, pelo qual o conselho federal poderá intervir nos conselhos regionais "em que se constate violação a esta lei ou às suas resoluções, nomeando composição provisória para o prazo que fixar". No estatuto da OAB, o processo interventivo depende de "violação grave" (inciso VII do artigo 84). O qualificativo permitirá discutir a gravidade no Judiciário para impedir a mera intervenção política, afastando a simples ofensa alegada pela maioria dominante.
Outra quebra da repetição do estatuto da OAB, também para pior, mostra-se no artigo 15. Remete a "organização, estrutura e funcionamento do CFJ e dos CRJ, bem assim as normas complementares do respectivo processo administrativo", à disciplina dos regimentos internos. Está por trás disso a possibilidade de vermos elementos essenciais da operação dos conselhos serem resolvidos internamente, sem transparência, sem os requisitos de garantia previstos para as autarquias da administração pública, conforme o artigo 37 da Carta Magna.
Na entidade dos advogados, a preservação da dignidade da lei é firme. Impede que maiorias ocasionais do conselho federal possam violar direitos de seus inscritos. Além disso, o Conselho Federal da OAB é composto por dois integrantes das delegações de cada Estado da Federação, que são compostas por três membros cada uma. Está assim na lei nº 8.096/94.
A atribuição, na órbita do jornalismo, de questões tão importantes à deliberação dos conselheiros federais trará com ela a predominância do interesse político deles. Em se tratando de autarquia da administração pública indireta, gerará a possibilidade de influência dos governos. Influência sempre ruim, seja qual for o detentor do poder, quando se refira à comunicação social. Atrelará o jornalismo dos conselhos jornalísticos aos interesses governamentais. Basta pensar, ainda no mesmo sentido, na estruturação dos Conselhos Regionais (na OAB são estaduais) para determinar o grau de influência dos grupos nas decisões a serem adotadas para as impor aos adversários. Concluindo: o jornalismo deve ter assegurada a livre manifestação de pensamento e de crítica, sem censura, ainda que feita sob disfarce de atribuição a um órgão de classe.


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