São Paulo, quinta-feira, 28 de agosto de 2008

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PASQUALE CIPRO NETO

O nepotismo e o peculato


Se eu disser que as quatro primeiras letras de "peculato" não por acaso são iguais às de "pecuária", que me dirá o leitor?

MAIS DO QUE NUNCA, a palavra do momento é "nepotismo". Digo "mais do que nunca" porque, embora seja mais ou menos comum no noticiário, esse vocábulo entrou na ordem do dia depois que uma súmula do STF proibiu a contratação de parentes para a administração pública.
O leitor habituado aos termos técnicos do noticiário talvez não tenha dificuldade para digeri-los. Para a maioria, no entanto, boa parte dessa terminologia é grego puro. O pior é que, como já vimos algumas vezes, nem sempre os dicionários são a melhor fonte para a solução de dúvidas sobre o significado de termos técnicos, como "acórdão", "deportação" etc. (cuja definição foi objeto de observações negativas de profissionais do direito em mensagens a mim enviadas quando da publicação de colunas em que citei as definições do "Houaiss" e do "Aurélio" a respeito).
O fato é que os leitores escrevem e me pedem "ajuda". Não querem saber pura e simplesmente "o que é", mas também (e sobretudo) "por que é". Resumo algumas das mensagens: "De onde vem esse tal de "nepotismo", professor?"; "Por que o nome é esse?"; "Por acaso isso vem de "nepote'? Se vem, o que é isso, professor?".
Muita gente não tem o hábito de consultar dicionários, talvez porque não os tenha, ou, se os tem e consulta, talvez o faça superficialmente. Talvez os dicionários possuídos sejam os pequenos, razão pela qual...
O fato é que, para muita gente, o dicionário não passa de um tira-dúvidas sobre ortografia. Para isso, caro leitor, nem é preciso recorrer a um dicionário; basta consultar o "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa" (da Academia Brasileira de Letras), disponível gratuitamente no www.academia.org.br.
E então? De onde vem o tal do nepotismo? Essa palavra deriva, sim, de "nepote", que, por sua vez, vem do latim e se prende à idéia de "descendência", "parentesco". Alguns dicionários etimológicos italianos apontam a possibilidade de que a forma latina "nepos" resulte de "natus post" ("nascido depois"). O termo era usado para designar o sobrinho e o neto, sentidos que, por sinal, foram conservados no italiano, em que "nipote" (lê-se "nipôte") é substantivo comum de dois gêneros.
Os dicionários dizem que o "nepote" era o sobrinho (favorito) do papa.
Daí para "nepotismo" assumir o sentido de "favoritismo para com parentes, especialmente pelo poder público" ("Houaiss") é um pulo.
Por falar em poder público, é bom aproveitar a ocasião para tratar da origem de outra palavrinha interessante: "peculato". O leitor sabe que, grosso modo, isso é algo como meter a mão na bufunfa pública ou, como diria Elio Gaspari, "assaltar a viúva". Os dicionários dizem que "peculato" é crime cometido por funcionário público que subtrai ou desvia dinheiro ou bem público, para proveito próprio ou alheio.
Pois bem. Se eu disser que as quatro primeiras letras de "peculato" não por acaso são iguais às de "pecuária", que me dirá o prezado leitor? Antes, preciso dizer à bancada ruralista que se acalme. Não vai aqui nenhuma intenção de nada. "Peculato" e "pecuária" vêm do latim ("pecus" = "gado"). Em certa época, o gado foi a base das fortunas. Na verdade, pelo menos entre nós ainda é uma dessas bases.
Bem, se o caro leitor acha que foi mera coincidência eu tratar de "nepotismo" e "peculato" na mesma coluna, confirmo: foi, sim. Foi, juro que foi. Foi mesmo. É isso.

inculta@uol.com.br


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