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LETRAS JURÍDICAS
Lembrando a democracia grega
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
Estado, Democracia e Direito
são três fundamentos da República Federativa do Brasil, assim
definidos no artigo 1º da Carta
de 1988. Estado é a nação organizada segundo suas próprias
leis. Democracia é o sistema pelo qual o povo nomeia e afasta
seus dirigentes, em períodos determinados ou, excepcionalmente, fora deles. Direito é a
ciência-arte que coordena as relações do Estado com as pessoas
e dessas entre si, por meio da lei
escrita, dos costumes e das decisões judiciais.
As três definições propostas
pretendem transpor, para a linguagem comum, e não técnica,
assuntos de que os juristas tratam em milhares de livros. Neste momento histórico cabe pensar a respeito delas, quando movimentos coletivos criam clima
de agitação. Aqui, vozes que até
pouco tempo atrás queixavam-se do exercício arbitrário do poder militar, falam em substituir
o presidente, desrespeitando a
vontade manifestada nas urnas.
Fala-se em impeachment sem
nenhuma atenção para as regras
constitucionais que o regulam.
Na Venezuela, aguarda-se o resultado da transformação constitucional pós-Perez. Na Colômbia o movimento guerrilheiro prossegue, depois de
muitos anos, difícil de entender
para quem não vive naquele
país. As três situações configuram ameaças ao processo democrático, semelhantes àquelas
que, nos anos 60, levaram a duros governos ditatoriais, na Argentina, no Brasil e no Chile.
Estado, Democracia e Direito
sob a ótica dos mais belos ideais
de vida coletiva são o ponto de
referência a ser buscado incansavelmente. O ideal pleno não
define, porém, as tensões que
conduzem o mundo, na realidade da vida. Nunca definiu, tal a
distância entre a teoria e a prática. Uma norma é essencial para
a simultânea subsistência do direito e da democracia: em cada
país devem ser cumpridas as regras do jogo político, determinadas pelo voto da maioria de
sua gente.
Talvez o leitor afirme que a democracia, em Atenas, nos tempos de Péricles e Aspásia, alcançou a perfeição, dela participando todo o povo. Não foi assim.
Em Atenas e seus arredores, lá
pelos 400 anos antes de Cristo,
menos de 10% dos habitantes tinham o status de cidadãos, com
direito de votarem e de serem
votados. Dentre eles, apenas 500
eram escolhidos para comporem o Conselho de Legisladores, do qual saíam dez para executar as leis, exercer o governo e
a chefia militar.
A democracia grega dependeu
do encontro de interesse entre
os componentes de dois grupos
antagônicos. Compunham o
que se chamaria, embora em
imprópria linguagem moderna,
do partido conservador (resistindo a reformas diminuidoras
de seu poder) e de partido popular (prometendo melhorar a
distribuição da riqueza, para a
conquista do mesmo poder).
Essas facções se uniram ao perceberem o perigo externo, representado por Esparta, outra
cidade-Estado, inimiga comum
dos dois "partidos", mostrando
que há poucas coisas novas sob
o sol.
A democracia assegura livre
manifestação dos contrários. O
inimigo da liberdade democrática é a ameaça de sua própria
destruição. No Estado moderno, soluções gerais que ignoraram tais realidades duraram
pouco. A sociedade e o Estado
não constituem pólos adversos
do debate social, mas devem somar-se para benefício comum.
Fora daí há a violência. Com ela
vem o desrespeito dos fundamentos, limites e objetivos definidos nos artigos 1º a 4º da
Constituição Federal. O momento histórico exige atenção
para o que representam tais dispositivos.
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