São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
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LETRAS JURÍDICAS

Lembrando a democracia grega

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

Estado, Democracia e Direito são três fundamentos da República Federativa do Brasil, assim definidos no artigo 1º da Carta de 1988. Estado é a nação organizada segundo suas próprias leis. Democracia é o sistema pelo qual o povo nomeia e afasta seus dirigentes, em períodos determinados ou, excepcionalmente, fora deles. Direito é a ciência-arte que coordena as relações do Estado com as pessoas e dessas entre si, por meio da lei escrita, dos costumes e das decisões judiciais.
As três definições propostas pretendem transpor, para a linguagem comum, e não técnica, assuntos de que os juristas tratam em milhares de livros. Neste momento histórico cabe pensar a respeito delas, quando movimentos coletivos criam clima de agitação. Aqui, vozes que até pouco tempo atrás queixavam-se do exercício arbitrário do poder militar, falam em substituir o presidente, desrespeitando a vontade manifestada nas urnas. Fala-se em impeachment sem nenhuma atenção para as regras constitucionais que o regulam. Na Venezuela, aguarda-se o resultado da transformação constitucional pós-Perez. Na Colômbia o movimento guerrilheiro prossegue, depois de muitos anos, difícil de entender para quem não vive naquele país. As três situações configuram ameaças ao processo democrático, semelhantes àquelas que, nos anos 60, levaram a duros governos ditatoriais, na Argentina, no Brasil e no Chile.
Estado, Democracia e Direito sob a ótica dos mais belos ideais de vida coletiva são o ponto de referência a ser buscado incansavelmente. O ideal pleno não define, porém, as tensões que conduzem o mundo, na realidade da vida. Nunca definiu, tal a distância entre a teoria e a prática. Uma norma é essencial para a simultânea subsistência do direito e da democracia: em cada país devem ser cumpridas as regras do jogo político, determinadas pelo voto da maioria de sua gente.
Talvez o leitor afirme que a democracia, em Atenas, nos tempos de Péricles e Aspásia, alcançou a perfeição, dela participando todo o povo. Não foi assim. Em Atenas e seus arredores, lá pelos 400 anos antes de Cristo, menos de 10% dos habitantes tinham o status de cidadãos, com direito de votarem e de serem votados. Dentre eles, apenas 500 eram escolhidos para comporem o Conselho de Legisladores, do qual saíam dez para executar as leis, exercer o governo e a chefia militar.
A democracia grega dependeu do encontro de interesse entre os componentes de dois grupos antagônicos. Compunham o que se chamaria, embora em imprópria linguagem moderna, do partido conservador (resistindo a reformas diminuidoras de seu poder) e de partido popular (prometendo melhorar a distribuição da riqueza, para a conquista do mesmo poder). Essas facções se uniram ao perceberem o perigo externo, representado por Esparta, outra cidade-Estado, inimiga comum dos dois "partidos", mostrando que há poucas coisas novas sob o sol.
A democracia assegura livre manifestação dos contrários. O inimigo da liberdade democrática é a ameaça de sua própria destruição. No Estado moderno, soluções gerais que ignoraram tais realidades duraram pouco. A sociedade e o Estado não constituem pólos adversos do debate social, mas devem somar-se para benefício comum. Fora daí há a violência. Com ela vem o desrespeito dos fundamentos, limites e objetivos definidos nos artigos 1º a 4º da Constituição Federal. O momento histórico exige atenção para o que representam tais dispositivos.


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