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Universidade reage ao seu papel em filme
Estudantes e professores vêem como estereótipo a associação entre universitários, tráfico e violência em "Tropa de Elite"
Para Paulo Menezes, professor de sociologia do cinema, é absurda a idéia de que todo estudante com consciência social defende o tráfico
MICHELE OLIVEIRA
ENVIADA ESPECIAL A CAXAMBU (MG)
Estereótipo, absurdo, distorção. É com palavras desse tipo
que estudantes e professores
de ciências sociais reagiram ao
modo como os universitários
foram retratados no filme sensação do momento, "Tropa de
Elite". Embora reconheçam o
consumo de drogas nas faculdades pelo país, rejeitam o rótulo de responsáveis pelo tráfico e pela violência que, dizem,
foi dado aos universitários e/ou
usuários de drogas no filme.
As impressões acima foram
ouvidas pela Folha de estudantes e professores que participaram da 31ª Anpocs, congresso
que reuniu, na semana que passou, em Caxambu (MG), pesquisadores de antropologia,
ciência política e sociologia.
No filme do diretor José Padilha, alunos do primeiro ano
de direito de uma faculdade na
zona sul -e nobre- do Rio debatem, em uma aula de sociologia, a ação da polícia contra as
drogas. Embora não seja citada
nominalmente, a universidade
em que foram feitas as filmagens é a PUC (Pontifícia Universitária Católica), na Gávea.
A discussão, na presença de
um policial novato, acaba por
condenar a ação da polícia contra o tráfico -e inocentes ao
redor- e os usuários de drogas,
pela truculência com que ela é,
dizem, realizada. Nas cenas seguintes, sabe-se que naquele
grupo de estudantes há usuários de maconha e cocaína e
também envolvidos em um trabalho social realizado em um
morro, por meio de uma organização não-governamental.
"Houve uma estereotipização imensa dos estudantes.
Uma classe estereotipada, na
qual foi mostrada uma homogeneidade espantosa demais. É
de se supor que haja um pouco
mais de resistência, alunos
mais heterogêneos, e de se esperar que houvesse mais defensores da ação da polícia",
critica Paulo Menezes, professor de sociologia do cinema no
curso de ciências sociais da
USP. "O filme passa a mostrar
que todos os estudantes com
consciência social defendem o
tráfico de drogas, o que é completamente absurdo."
"É um estereótipo achar que
todos [os estudantes] financiam as drogas e que todos fazem passeata e ao mesmo tempo fumam maconha. Aquilo existe, mas a minha experiência de academia não bate com
aquele retrato", diz Vinicius Rivello, 26, que faz ciências sociais na Universidade Federal
do Paraná. "Achei distorcida a
visão da academia."
Em vez de representar toda a
classe universitária, Sergio Miceli, professor de sociologia da
USP, vê a cena dos estudantes
como uma "infração de classe".
"É uma infração de classe, dos
estudantes do mundo da lua,
bebendo, totalmente apaziguados e que interagem totalmente protegidos por suas rendas
familiares, suas festinhas."
"Acho que é uma realidade
geral", rebate um estudante da
PUC do Rio que preferiu não se
identificar. Ele conta ter assistido ao filme na universidade,
próximo de uma rodinha de
alunos que fumava maconha
durante a exibição. "Não teve
constrangimento nenhum, como se a realidade tivesse sido
banalizada. Não teve uma autocrítica. Mas teve um mal-estar
do estereótipo que foi colocado
no filme", afirmou.
Visão do Bope
Também classificando a participação dos estudantes na
trama de "Tropa de Elite" como
um estereótipo, Lucas Castro,
24, formado em direito e aluno
de ciências sociais da Federal
do Paraná diz, no entanto, que
o filme mostra a visão da polícia
sobre a universidade e as
ONGs. "É a visão do policial, totalmente estereotipada, de que
o usuário de entorpecentes financia o tráfico", diz.
A antropóloga Alba Zaluar,
professora da Uerj, concorda.
"O filme apresenta preconceitos que os policiais têm e veiculam constantemente acerca das
ONGs, dos estudantes e, por extensão, dos intelectuais", afirma. "É óbvio que não são os estudantes usuários de drogas
que são responsáveis pela violência. Ela é extremamente
complexa, tem várias fontes,
inclusive a facilidade com que
as armas chegam aos traficantes, que é uma coisa que tem
que ser esclarecida."
Ecoando o que parece ser
uma opinião da minoria, José
Alexandre Silva Jr., 26, mestrando em ciência política na
Federal de Pernambuco, avalia
o retrato da universidade no filme como "realista e sensato".
"Boa parte dos estudantes age
daquela forma."
A jornalista MICHELE OLIVEIRA viajou a convite da Anpocs
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