São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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Universidade reage ao seu papel em filme

Estudantes e professores vêem como estereótipo a associação entre universitários, tráfico e violência em "Tropa de Elite"

Para Paulo Menezes, professor de sociologia do cinema, é absurda a idéia de que todo estudante com consciência social defende o tráfico

MICHELE OLIVEIRA
ENVIADA ESPECIAL A CAXAMBU (MG)

Estereótipo, absurdo, distorção. É com palavras desse tipo que estudantes e professores de ciências sociais reagiram ao modo como os universitários foram retratados no filme sensação do momento, "Tropa de Elite". Embora reconheçam o consumo de drogas nas faculdades pelo país, rejeitam o rótulo de responsáveis pelo tráfico e pela violência que, dizem, foi dado aos universitários e/ou usuários de drogas no filme.
As impressões acima foram ouvidas pela Folha de estudantes e professores que participaram da 31ª Anpocs, congresso que reuniu, na semana que passou, em Caxambu (MG), pesquisadores de antropologia, ciência política e sociologia.
No filme do diretor José Padilha, alunos do primeiro ano de direito de uma faculdade na zona sul -e nobre- do Rio debatem, em uma aula de sociologia, a ação da polícia contra as drogas. Embora não seja citada nominalmente, a universidade em que foram feitas as filmagens é a PUC (Pontifícia Universitária Católica), na Gávea.
A discussão, na presença de um policial novato, acaba por condenar a ação da polícia contra o tráfico -e inocentes ao redor- e os usuários de drogas, pela truculência com que ela é, dizem, realizada. Nas cenas seguintes, sabe-se que naquele grupo de estudantes há usuários de maconha e cocaína e também envolvidos em um trabalho social realizado em um morro, por meio de uma organização não-governamental. "Houve uma estereotipização imensa dos estudantes.
Uma classe estereotipada, na qual foi mostrada uma homogeneidade espantosa demais. É de se supor que haja um pouco mais de resistência, alunos mais heterogêneos, e de se esperar que houvesse mais defensores da ação da polícia", critica Paulo Menezes, professor de sociologia do cinema no curso de ciências sociais da USP. "O filme passa a mostrar que todos os estudantes com consciência social defendem o tráfico de drogas, o que é completamente absurdo."
"É um estereótipo achar que todos [os estudantes] financiam as drogas e que todos fazem passeata e ao mesmo tempo fumam maconha. Aquilo existe, mas a minha experiência de academia não bate com aquele retrato", diz Vinicius Rivello, 26, que faz ciências sociais na Universidade Federal do Paraná. "Achei distorcida a visão da academia."
Em vez de representar toda a classe universitária, Sergio Miceli, professor de sociologia da USP, vê a cena dos estudantes como uma "infração de classe". "É uma infração de classe, dos estudantes do mundo da lua, bebendo, totalmente apaziguados e que interagem totalmente protegidos por suas rendas familiares, suas festinhas."
"Acho que é uma realidade geral", rebate um estudante da PUC do Rio que preferiu não se identificar. Ele conta ter assistido ao filme na universidade, próximo de uma rodinha de alunos que fumava maconha durante a exibição. "Não teve constrangimento nenhum, como se a realidade tivesse sido banalizada. Não teve uma autocrítica. Mas teve um mal-estar do estereótipo que foi colocado no filme", afirmou.

Visão do Bope
Também classificando a participação dos estudantes na trama de "Tropa de Elite" como um estereótipo, Lucas Castro, 24, formado em direito e aluno de ciências sociais da Federal do Paraná diz, no entanto, que o filme mostra a visão da polícia sobre a universidade e as ONGs. "É a visão do policial, totalmente estereotipada, de que o usuário de entorpecentes financia o tráfico", diz. A antropóloga Alba Zaluar, professora da Uerj, concorda.
"O filme apresenta preconceitos que os policiais têm e veiculam constantemente acerca das ONGs, dos estudantes e, por extensão, dos intelectuais", afirma. "É óbvio que não são os estudantes usuários de drogas que são responsáveis pela violência. Ela é extremamente complexa, tem várias fontes, inclusive a facilidade com que as armas chegam aos traficantes, que é uma coisa que tem que ser esclarecida."
Ecoando o que parece ser uma opinião da minoria, José Alexandre Silva Jr., 26, mestrando em ciência política na Federal de Pernambuco, avalia o retrato da universidade no filme como "realista e sensato". "Boa parte dos estudantes age daquela forma."


A jornalista MICHELE OLIVEIRA viajou a convite da Anpocs


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