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Escola amarra janela para impedir que alunos vejam "noias"
Fundado em 1885 e tombado pelo patrimônio histórico, o colégio salesiano funciona em região que abriga centenas de viciados em crack
O Liceu Coração de Jesus,
na região central, decidiu encerrar as atividades do ensino médio matutino
por falta de estudantes
Apu Gomes/Folha Imagem
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Da janela do Liceu Coração de Jesus, no centro de São Paulo, é possível ver usuários consumindo crack pela manhã, enquanto mulher leva a criança para a escola
JAMES CIMINO
DA REPORTAGEM LOCAL
Fundado em 1885 por são
João Dom Bosco, com o auxílio
da princesa Isabel, o Liceu Coração de Jesus, onde estudaram personagens como Monteiro Lobato, Grande Otelo e
Toquinho, definha em meio à
cracolândia, área degradada do
centro de São Paulo que abriga
centenas de usuários de crack.
A presença constante dos
"noias" no entorno do liceu espanta alunos novos e, há pelo
menos oito anos, tem motivado
transferências de estudantes. O
problema é tão grave que o colégio, que ocupa uma área de 17
mil m2, tem hoje só 288 alunos
-há 30 anos eram 3.000.
A partir do ano que vem, a situação vai piorar, pois o colégio
encerrará as atividades do ensino médio matutino.
Em 2008, foi fechado o fundamental vespertino. Há três
anos, os cursos superiores e, há
oito, não existe mais aquele
que foi o primeiro curso de ensino médio noturno da cidade.
O panorama da escola é desolador. A grande quadra central está quase sempre vazia.
Não se ouve mais a algazarra
das crianças -o lugar parece
mais um retiro.
No bloco cuja vista dá para a
rua Barão de Piracicaba, salas
vazias e empoeiradas. Mesas e
cadeiras amontoadas. Uma das
lousas tem anotado o horário
do remédio de alguém, provavelmente de um dos garotos
que não estudam mais lá.
As janelas basculantes foram
amarradas com arame pelo bedel Manuel Moran Vinayo, o
Manolo, para impedir que os
alunos vissem o uso da droga
nas calçadas.
"Ano que vem, com sorte, terei 200 alunos. E a mensalidade nem é tão cara. Custa R$ 718
o [ensino] médio. Os alunos
que temos, apesar de toda a degradação, têm relação afetiva
com a escola e ficam. Mas não
conseguimos alunos novos. A
fonte secou. Fecho no vermelho todo mês, e quem completa
a receita é a congregação [dos
Salesianos]", diz o padre Benedito Spinosa, diretor da escola.
Ele conta que o ensino médio
deveria ter sido fechado no ano
passado. Só não acabou porque
as despesas foram bancadas
com a renda obtida do aluguel
de um bloco para a seguradora
Porto Seguro, que usou o espaço para treinar funcionários.
"O ensino médio é muito caro. Exige preparação para o
Enem à tarde e, se não tiver
muitas turmas, o investimento
é muito alto", afirma o padre.
Negros e imigrantes
O liceu, tombado pelo patrimônio histórico, acompanhou
as mudanças da cidade. No início, chamava-se Liceu de Artes,
Ofícios e Comércio e atendia
aos filhos dos imigrantes italianos e dos negros libertos, que
estudavam gratuitamente nas
oficinas de sapataria e alfaiataria. Mais tarde, serviu como internato para filhos de fazendeiros do café. Depois teve cursos
universitários e técnicos.
Hoje, mesmo com todos os
problemas, o padre Benedito
diz que o liceu não vai fechar.
"Não vamos desistir. Educar é a
vida dos salesianos e já investimos muito dinheiro aqui. Tenho esperança no ensino integral, que tem aumentado a procura, pois os pais entram de
carro no pátio do colégio e deixam as crianças aqui, diferentemente dos jovens do ensino
médio, que costumam vir sozinhos e, por isso, acabam sendo
vítimas dessa situação de não
cidadania, que penetra em seu
coração e planta a semente do
medo e da indiferença."
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