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BUG DA FEBEM
Menores dizem que fugirão até o dia 16, monitores admitem falta de controle, e governo "joga xadrez"
Internos ampliam controle na Febem e preparam a rebelião do fim do ano
Cesar Rodrigues/Folha Imagem
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Ônibus com menores da Febem chega a cadeião de Santo André |
SÍLVIA CORRÊA
da Reportagem Local
Um mês depois da maior rebelião da história da Febem, não se
fala em outra coisa do lado de
dentro dos muros. O motim do final do ano é o assunto entre monitores, familiares e internos.
Nas últimas duas semanas, a
Folha manteve contato com dez
pessoas que tiveram acesso ao interior das unidades e se dispuseram a narrar o clima na instituição. São mães, funcionários, meninos recém-desinternados, voluntários e menores infratores. Os
relatos dão conta de que as trincheiras estão preparadas.
De um lado estão os infratores.
Eles já dominam pelo menos quatro unidades do quadrilátero do
Tatuapé (zona leste de São Paulo),
obrigaram a direção da fundação
a isolar alguns meninos e ameaçam matá-los se passarem as festas internados. A ação, dizem eles,
tem prazo: 16 de dezembro.
Do outro está o governo do Estado. Responsável por garantir a
segurança dos infratores e dos
funcionários da instituição.
No meio da guerra, por enquanto velada, estão os funcionários.
Dizem não ter mais controle sobre os adolescentes. Hoje, afirmam, conseguem no máximo
mantê-los nas unidades graças à
presença da tropa de choque.
O temor generalizado é que a
Febem (Fundação Estadual do
Bem-Estar do Menor) bata mais
um recorde. Só neste ano, 4 internos foram mortos em um motim
de 3 dias e quase 3.000 já fugiram.
São os piores índices de todos os
tempos.
O colapso levou o governador
Mário Covas (PSDB) a mandar
demolir a unidade Imigrantes, assumir pessoalmente a administração da instituição e anunciar
um plano para sua reformulação.
Mas as medidas superlotaram
as unidades, mandaram quase
mil adolescentes para cadeias,
misturaram os infratores e espalharam a tensão pelo sistema.
"O meu filho disse que ia sair até
o dia 15. Agora eu venho aqui e
não consigo entrar. Não sei o que
está acontecendo lá dentro", desabafa Áurea de Lima, 45, faxineira que veio de Limeira (156 km de
SP) na última terça-feira tentar
ver o filho no quadrilátero.
Ela não sabe. Mas J.R.A., 17, sabe. Deixou na semana passada a
UE onde o filho de Áurea está internado. Ela é uma das unidades
da chamada "favelinha", grupo de
prédios alinhados nos fundos da
instituição que abrigam as UEs 12,
13, 14 e Jovem -epicentro da
maior parte das rebeliões.
"Ali não tem mais regra. Eles
dormem na hora em que querem,
acordam na hora em que querem,
ouvem música e não vão mais à
escola. Só mandam a professora
dar presença e voltam", diz ele.
J. estava no seguro (área onde ficam os menores jurados de morte) havia duas semanas, quando
quase foi pego como refém em
uma das confusões quase diárias.
Nos pavilhões dominados pelos
infratores, até os seguros mudaram. Sempre colados à monitoria,
eles funcionam agora em salas do
primeiro andar dos prédios da
administração das UEs. Os monitores dizem que já não conseguem dar segurança a ninguém
nas proximidades do pátio.
Ainda assim, nas duas semanas
em que J. esteve lá, os internos do
pátio conseguiram chegar por
duas vezes à porta do seguro.
"A gente tinha que dormir por
turno. Enquanto uns dormiam,
outros vigiavam a porta", diz ele.
Nas duas tentativas, os meninos
foram contidos pelo choque antes
de derrubarem a porta.
"A coisa degringolou", afirma
Adalberto Carlos da Silva, 36, diretor do Sitraenfa (sindicato dos
trabalhadores da Febem). "Não
há mais regras. É um salve-se
quem puder. As unidades estão
contidas pela repressão do choque. Os monitores não têm mais
controle sobre nenhuma delas."
Silva confirma o relato de J., o
temor de Áurea e vai além. "Hoje,
quando precisamos intervir, chamamos a segurança, os monitores
que não trabalham na unidade ou
o choque. Os funcionários de
plantão já não conseguem agir."
Jogo de xadrez
Por intermédio de sua assessoria de imprensa, o governador
Mário Covas admitiu que a situação é "instável" e revelou sua tática: "jogar xadrez".
Isso significa identificar os líderes dos internos e transferi-los.
Será assim até que se acalmem.
Na quarta-feira da semana passada, o governo fez a primeira jogada: mandou 400 reincidentes
do Tatuapé para o Cadeião de
Santo André (Grande São Paulo).
Os reincidentes são apontados
como líderes dos motins.
Não vai parar por aí. Pequenas
transferências vão continuar
acontecendo todos os dias, em
uma espécie de dança das cadeiras que visa tentar impedir que os
meninos se organizem.
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