São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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BUG DA FEBEM
Menores dizem que fugirão até o dia 16, monitores admitem falta de controle, e governo "joga xadrez"
Internos ampliam controle na Febem e preparam a rebelião do fim do ano

Cesar Rodrigues/Folha Imagem
Ônibus com menores da Febem chega a cadeião de Santo André


SÍLVIA CORRÊA
da Reportagem Local

Um mês depois da maior rebelião da história da Febem, não se fala em outra coisa do lado de dentro dos muros. O motim do final do ano é o assunto entre monitores, familiares e internos.
Nas últimas duas semanas, a Folha manteve contato com dez pessoas que tiveram acesso ao interior das unidades e se dispuseram a narrar o clima na instituição. São mães, funcionários, meninos recém-desinternados, voluntários e menores infratores. Os relatos dão conta de que as trincheiras estão preparadas.
De um lado estão os infratores. Eles já dominam pelo menos quatro unidades do quadrilátero do Tatuapé (zona leste de São Paulo), obrigaram a direção da fundação a isolar alguns meninos e ameaçam matá-los se passarem as festas internados. A ação, dizem eles, tem prazo: 16 de dezembro.
Do outro está o governo do Estado. Responsável por garantir a segurança dos infratores e dos funcionários da instituição.
No meio da guerra, por enquanto velada, estão os funcionários. Dizem não ter mais controle sobre os adolescentes. Hoje, afirmam, conseguem no máximo mantê-los nas unidades graças à presença da tropa de choque.
O temor generalizado é que a Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) bata mais um recorde. Só neste ano, 4 internos foram mortos em um motim de 3 dias e quase 3.000 já fugiram. São os piores índices de todos os tempos.
O colapso levou o governador Mário Covas (PSDB) a mandar demolir a unidade Imigrantes, assumir pessoalmente a administração da instituição e anunciar um plano para sua reformulação.
Mas as medidas superlotaram as unidades, mandaram quase mil adolescentes para cadeias, misturaram os infratores e espalharam a tensão pelo sistema.
"O meu filho disse que ia sair até o dia 15. Agora eu venho aqui e não consigo entrar. Não sei o que está acontecendo lá dentro", desabafa Áurea de Lima, 45, faxineira que veio de Limeira (156 km de SP) na última terça-feira tentar ver o filho no quadrilátero.
Ela não sabe. Mas J.R.A., 17, sabe. Deixou na semana passada a UE onde o filho de Áurea está internado. Ela é uma das unidades da chamada "favelinha", grupo de prédios alinhados nos fundos da instituição que abrigam as UEs 12, 13, 14 e Jovem -epicentro da maior parte das rebeliões.
"Ali não tem mais regra. Eles dormem na hora em que querem, acordam na hora em que querem, ouvem música e não vão mais à escola. Só mandam a professora dar presença e voltam", diz ele.
J. estava no seguro (área onde ficam os menores jurados de morte) havia duas semanas, quando quase foi pego como refém em uma das confusões quase diárias.
Nos pavilhões dominados pelos infratores, até os seguros mudaram. Sempre colados à monitoria, eles funcionam agora em salas do primeiro andar dos prédios da administração das UEs. Os monitores dizem que já não conseguem dar segurança a ninguém nas proximidades do pátio.
Ainda assim, nas duas semanas em que J. esteve lá, os internos do pátio conseguiram chegar por duas vezes à porta do seguro.
"A gente tinha que dormir por turno. Enquanto uns dormiam, outros vigiavam a porta", diz ele.
Nas duas tentativas, os meninos foram contidos pelo choque antes de derrubarem a porta.
"A coisa degringolou", afirma Adalberto Carlos da Silva, 36, diretor do Sitraenfa (sindicato dos trabalhadores da Febem). "Não há mais regras. É um salve-se quem puder. As unidades estão contidas pela repressão do choque. Os monitores não têm mais controle sobre nenhuma delas."
Silva confirma o relato de J., o temor de Áurea e vai além. "Hoje, quando precisamos intervir, chamamos a segurança, os monitores que não trabalham na unidade ou o choque. Os funcionários de plantão já não conseguem agir."

Jogo de xadrez
Por intermédio de sua assessoria de imprensa, o governador Mário Covas admitiu que a situação é "instável" e revelou sua tática: "jogar xadrez".
Isso significa identificar os líderes dos internos e transferi-los. Será assim até que se acalmem.
Na quarta-feira da semana passada, o governo fez a primeira jogada: mandou 400 reincidentes do Tatuapé para o Cadeião de Santo André (Grande São Paulo). Os reincidentes são apontados como líderes dos motins.
Não vai parar por aí. Pequenas transferências vão continuar acontecendo todos os dias, em uma espécie de dança das cadeiras que visa tentar impedir que os meninos se organizem.


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