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DO LADO DE DENTRO
Agressões e acertos marcam vida na Febem
da Reportagem Local
"Como é seu nome, ladrão? De
onde você vem? Então, bem-vindo ao inferno. Aqui é o seguinte:
sim senhor, não senhor e mão para trás. Se você desrespeitar, vai
tomar um trem."
Essa é, segundo menores, a recepção de quem chega à Febem.
"Trem significa couro, é ser arrastado, é surra", diz F. 18, que passou pela instituição nove vezes
por assaltos na praça da Sé.
A Folha entrevistou seis ex-internos. Em 12 horas de gravação,
eles narram em detalhes como é a
rotina da instituição, onde, dizem,
uma arma custa R$ 5.000, cigarros
de maconha circulam de graça, e a
autoridade muitas vezes é exercida por agressões e castigos.
AS BANCAS - Ao chegar à Febem, o menor tem que "colar numa banca" -integrar uma quadrilha. É assim que a Febem se organiza. Quanto mais numerosa,
mais poderosa é a banca.
"Minha banca na Imigrantes tinha uns 250 que eu comandava.
A gente trabalhava as "naifes" (facas) junto, sentava no pátio, dividia o "jumbo" (alimentos e cigarros levados por familiares), planejava as rebeliões, fugia e se defendia", diz Júnior, 19, sete passagens pela fundação por roubo.
Como ele, os líderes das bancas
são os chamados "apetitosos".
"Eu não podia ficar parado, tinha
que estar roubando, matando.
Então lá dentro, eu agitava. Capotava monitor. Queria fugir."
AS AGRESSÕES - Confrontos
entre monitores e menores dominam os relatos dos adolescentes.
Eles narram a convivência como
uma guerra. "Você já está revoltado. Aí o monitor corta a brasa (o
cigarro), desce a madeira. Você
fica mais revoltado e vai para cima mesmo", diz J., 17, internado
duas vezes por roubo e tráfico.
Os seis adolescentes perderam
a conta de quantas vezes apanharam. As surras, dizem, são dadas
nos quartos ou sob a água gelada.
A posição, todos descrevem: colam o "coco" (cabeça) na parede e
abrem as pernas. A pancada vem
do "chico doce" -pé de mesa, de
cadeira ou cabos de enxadas.
OS MOTIVOS - De acordo com
os adolescentes, "madeirada não
tem motivo", vale a vontade do
monitor. "Se você conversar
quando está vendo televisão, é arrastado. Tem que ficar sentado.
Nem dormir pode, senão eles pegam água gelada e jogam em você. E além de pegar água gelada,
ainda dão bica, tapão", narra R.,
19, uma passagem por roubo.
Segundo os ex-internos, a religião é também um argumento do
couro. "Eles dizem: "Aí, mano,está querendo se esconder atrás da
Bíblia? Quer enganar quem? Você
é um falso profeta'", diz J.
A GUERRA DE NERVOS - Na
guerra de guerrilhas, valem as
provocações. "Tem uns monitores que instigam: "Quem é o bam-bam-bam, o ladrão que tem coragem de vir para cima de mim?".
Às vezes eles ficam com a garrafa
de café na mão, e a gente não sei
há quanto tempo sem tomar café:
"Café, ladrão? Quer café não rouba mais"."
A HIERARQUIA - As regras não
são as mesmas em todas as unidades. Em algumas, dominadas
pelas bancas de homicidas e latrocidas, as ordens vêm dos meninos. "Nessas, pode tudo. Pode
acordar na hora que quiser, deitar
e dormir no pátio", diz J., que acaba de sair de uma delas.
AS ARMAS - Contra o "chico
doce", os menores fazem as "naifes", facas produzidas com pedaços de marmitex, grades arrancadas, madeira das oficinas.
As facas não são as únicas armas. Lá de dentro é possível comprar um revólver, por preço que
varia de R$ 5.000 a R$ 15 mil. "Isso depende do monitor, da situação dele, do cara que está pedindo, do tipo da arma", diz I., que já
participou de negociações.
AS DROGAS - A maconha é a
droga dos pavilhões. "É o meio de
você esquecer. Se tem droga, tem
alegria", diz I. Nas unidades onde
ainda vigoram as normas da casa,
ela chega pelas visitas -amigos
traficantes, namoradas e até familiares que trazem cigarros já
prontos, mergulhados em frascos
de desodorante, escondidos em
pacotes de bolachas, embutidos
em solas de sapatos. "Além disso,
a favela joga de estilingue para
dentro. Cai na UE-16, por isso até
cortaram as árvores lá", revela F.
AS FUGAS - A fuga também é
mercadoria na Febem. "Quem
não tem nada deve fugir no peito.
Quem pode pagar combina de ir
ao PS ou ao fórum", diz Júnior.
O preço é proporcional ao número de foragidos. "Soltar no caminho do fórum e simular um
resgate sai por uns R$ 3.000. É
mais barato do que pôr arma para dentro, porque foge menos
gente e o risco é menor", diz I.
AS REBELIÕES - "Tem rebelião
porque eles tesouram a televisão,
porque eles dão um sabonete para todo mundo, porque tem que
dividir a toalha, porque eles cortam a brasa, porque eles batem
nos manos", diz C.
"Às vezes, eles tesouram o pátio, e a gente fica o dia inteiro lá
dentro, sentado, sem fumar, sem
assistir televisão. Isso se não mandarem ficar de cabeça baixa. Aí o
que acontece? Vira rebelião. Não
tem como. O único papo é fugir,
fugir, fugir. Você não tem nada
para ocupar a mente."
Os motins são combinados entre as unidades quando os menores se encontram no pátio, nas
oficinas, no campo de futebol.
"Eu dava a minha esperteza para fazer rebelião. Bipava (mandava avisar) os manos da outra ala
para eles prepararem as "naifes"
porque a gente ia levantar a casa
tal dia e tal hora", diz Júnior.
O ÓCIO - Em algumas unidades
não há pátio para todos. Era assim na Imigrantes. "De manhã
era a ala B e, à tarde, a ala C.
Quando a ala B estava no pátio, a
ala C tinha que ficar dentro do
barraco. Era só uma televisãozinha, e você tinha que ficar formado, curvado, até dar o horário do
almoço assistindo Xuxa. A manhã inteira sentado. Não podia
falar um "a"", diz Júnior.
A BRASA - O cigarro é moeda
de troca. Trinta maços de Marlboro pagam uma sessão de filme
pornô ou um tênis Nike. Um maço paga um pacote de bolachas.
Nas unidades onde valem as regras da casa, a brasa é um instrumento de controle e um símbolo
de autoridade. "Se não fizer silêncio, o monitor não acende. Porque a humilhação é a seguinte: só
eles têm o isqueiro. Tem que fazer
silêncio total. Aí tem que esperar
uns 20 minutos para eles liberarem a brasa. Ascendem um que
passa para o outro, passa para o
outro", diz C.
O SEXO - Camisinhas e visitas
íntimas não existem na Febem.
Mas são comuns as relações sexuais. Os chefes das bancas dão as
ordens. Novatos, "jacks" (estupradores) e "vacilões em geral"
são as vítimas preferenciais. Lavam as roupas dos outros internos e são obrigados a prestar favores sexuais.
"O cara chega e fala: "O mano, é
o seguinte, hoje à noite você vai
com a minha cara". Não tem jeito.
Se não for, toma "lixa" (surra dos
outros internos). Muitos viram
mulherzinha", diz F.
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