São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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Adolecente ignora destino da família

da Reportagem Local

Há quase um ano, Júnior não tem notícias da mãe nem dos irmãos. "No Natal do ano passado, eu liguei para casa onde ela disse que ia ficar. Mas já não estava. Nunca mais deu notícias."
Hoje, diz ele, o afastamento circunstancial virou opção. "Sinto falta, claro, mas não pode um cego guiar o outro. Tenho que ter uma vida arrumada para poder ajudar a minha família", diz o adolescente.
O afastamento, Júnior não nega, tem seus fantasmas. Para ele, "a sociedade pode estar empurrando" os irmãos pelos mesmos caminhos que o conduziu.
"Eu sei que a pior coisa que existe é vestir roupa de esmola, roupa furada. Você vai para a escola e vê todo mundo com a roupinha bonita que papai comprou e fica com raiva. Eu não queria que eles sentissem isso. Queria dar para os meus irmãos tudo o que eu nunca tive."
Há indícios que reforçam o temor de Júnior. Ele conta que uma vez fez um assalto com a mãe. Não lembra o ano, "a cadeia faz a gente não dar importância para isso", mas o irmão, hoje com 14 anos, estava junto.
"A gente tinha roubado R$ 5.000 e começou a usar droga dentro de um quarto de hotel. Um crack. E meu irmão estava lá. De repente, ele pegou a droga, pôs no cachimbo e começou a fumar", narra Júnior. "Quando eu vi aquilo me deu uma coisa na cabeça. Fui para cima dele. Mas a minha mãe disse: "Você não vai bater nele". Ela falou: "Você não usa? Deixa ele usar também. Estou mandando deixar"."
Além do medo de que os irmãos estejam morando nos mocós de crack, há outro. Júnior sabe que a mãe e as irmãs mais novas podem não estar mais vivas.
Há 14 anos Cristina contraiu o vírus da Aids. "Era baqueira", diz Júnior, explicando que a mãe usava drogas injetáveis. As meninas nasceram contaminadas. A família nunca teve dinheiro para comprar remédios.
Cristina perdeu 10 kg na última prisão. Sentia-se fraca. A notícia veio em uma das dez cartas que a mãe, presidiária em Lutécia (530 km de São Paulo), mandou em 98 para o filho, interno na Febem Tatuapé.
Nas cartas, Cristina diz que se sente culpada pelo destino de Júnior. Pede para ele cuidar dos irmãos "se a doença maldita a levar". Faz versos e pede perdão.
"Ela sempre se sentiu culpada", diz Júnior. "Quando usava drogas, chorava nas madrugadas. Mas ela ensinou o que sabia. Ela também viveu nas ruas. Foi achada em uma lata de lixo por uma família que nem era a dela. Também cresceu revoltada."
Hoje, da família, Júnior tem apenas as cartas e duas fotos antigas. Amassadas pelo manuseio, elas ocupam um cantinho na cabeceira da cama.
Reencontrá-la é mais um dos desejos de uma cabeça povoada de sonhos. Mistura-se com a vontade de ajudar os meninos da Febem, casar, ter filhos, construir sua própria família e ser cantor de rap.
"Ganhei o festival da Febem", diz, orgulhoso. São cerca de 30 letras escritas em um caderno universitário. Falam dos crimes, das drogas, das internações e... da "Realidade da Vida", como diz o título de sua preferida.
"O primeiro roubo ocorreu, tudo bem/ Mas no segundo, já me mandaram para a Febem/ Chegando lá dentro, algo desesperador/ Vivia dominado por vários monitores/ Aquilo me fez perder a paz/ Sim senhor/ Não senhor/ E mão para trás/ Ó, meu Deus, vem me ajudar/ Realidade, realidade da vida." (SC)

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