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Adolecente ignora destino da família
da Reportagem Local
Há quase um ano, Júnior não
tem notícias da mãe nem dos irmãos. "No Natal do ano passado, eu liguei para casa onde ela
disse que ia ficar. Mas já não estava. Nunca mais deu notícias."
Hoje, diz ele, o afastamento
circunstancial virou opção.
"Sinto falta, claro, mas não pode
um cego guiar o outro. Tenho
que ter uma vida arrumada para
poder ajudar a minha família",
diz o adolescente.
O afastamento, Júnior não nega, tem seus fantasmas. Para ele,
"a sociedade pode estar empurrando" os irmãos pelos mesmos
caminhos que o conduziu.
"Eu sei que a pior coisa que
existe é vestir roupa de esmola,
roupa furada. Você vai para a escola e vê todo mundo com a roupinha bonita que papai comprou e fica com raiva. Eu não
queria que eles sentissem isso.
Queria dar para os meus irmãos
tudo o que eu nunca tive."
Há indícios que reforçam o temor de Júnior. Ele conta que
uma vez fez um assalto com a
mãe. Não lembra o ano, "a cadeia faz a gente não dar importância para isso", mas o irmão,
hoje com 14 anos, estava junto.
"A gente tinha roubado R$
5.000 e começou a usar droga
dentro de um quarto de hotel.
Um crack. E meu irmão estava
lá. De repente, ele pegou a droga,
pôs no cachimbo e começou a
fumar", narra Júnior. "Quando
eu vi aquilo me deu uma coisa na
cabeça. Fui para cima dele. Mas
a minha mãe disse: "Você não vai
bater nele". Ela falou: "Você não
usa? Deixa ele usar também. Estou mandando deixar"."
Além do medo de que os irmãos estejam morando nos mocós de crack, há outro. Júnior sabe que a mãe e as irmãs mais novas podem não estar mais vivas.
Há 14 anos Cristina contraiu o
vírus da Aids. "Era baqueira",
diz Júnior, explicando que a mãe
usava drogas injetáveis. As meninas nasceram contaminadas.
A família nunca teve dinheiro
para comprar remédios.
Cristina perdeu 10 kg na última prisão. Sentia-se fraca. A notícia veio em uma das dez cartas
que a mãe, presidiária em Lutécia (530 km de São Paulo), mandou em 98 para o filho, interno
na Febem Tatuapé.
Nas cartas, Cristina diz que se
sente culpada pelo destino de Júnior. Pede para ele cuidar dos irmãos "se a doença maldita a levar". Faz versos e pede perdão.
"Ela sempre se sentiu culpada", diz Júnior. "Quando usava
drogas, chorava nas madrugadas. Mas ela ensinou o que sabia.
Ela também viveu nas ruas. Foi
achada em uma lata de lixo por
uma família que nem era a dela.
Também cresceu revoltada."
Hoje, da família, Júnior tem
apenas as cartas e duas fotos antigas. Amassadas pelo manuseio, elas ocupam um cantinho
na cabeceira da cama.
Reencontrá-la é mais um dos
desejos de uma cabeça povoada
de sonhos. Mistura-se com a
vontade de ajudar os meninos
da Febem, casar, ter filhos, construir sua própria família e ser
cantor de rap.
"Ganhei o festival da Febem",
diz, orgulhoso. São cerca de 30
letras escritas em um caderno
universitário. Falam dos crimes,
das drogas, das internações e...
da "Realidade da Vida", como
diz o título de sua preferida.
"O primeiro roubo ocorreu,
tudo bem/ Mas no segundo, já
me mandaram para a Febem/
Chegando lá dentro, algo desesperador/ Vivia dominado por
vários monitores/ Aquilo me fez
perder a paz/ Sim senhor/ Não
senhor/ E mão para trás/ Ó, meu
Deus, vem me ajudar/ Realidade, realidade da vida."
(SC)
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