São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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GILBERTO DIMENSTEIN
Papai sabe-tudo

Pesquisas de opinião pública realizadas pela MTV detectaram que o cinquentão Caetano Veloso é o ídolo musical da juventude brasileira. Na galeria de ídolos aparecem, em lugar de destaque, mais cinquentões, como Gilberto Gil e Rita Lee.
Uma investigação feita pela MTV com 2.425 entrevistas, divulgada na semana passada, revela que esses ídolos simbolizam o novo comportamento da família brasileira, com o desaparecimento do conflito de gerações e da rebeldia dentro de casa -justamente o ambiente que fez, nos anos 60 e 70, tipos como Caetano servirem de símbolo de mudança.
O fato: o jovem estica ao máximo a vivência com os pais, prefere sair apenas depois de ter um salário que lhe garanta razoável nível de vida. Ou, então, para casar.
Apenas 18% dos entrevistados se dizem com muita vontade de viver longe dos pais.
A maioria encontra compreensão (uma expressiva parcela transa no quarto, com a aprovação paterna), comida e roupa lavada. Lá fora, argumentam, há competição, baixos salários, desemprego e violência.
Os pais ficaram mais jovens ou os jovens mais velhos?
Indagados sobre a qualidade do relacionamento com os pais, 93%, da classe A, disseram ser ótimo e bom com a mãe; 86%, com o pai.
Eles dizem que os pais estão atualizados, querem educar seus filhos no mesmo estilo e acham que recebem a liberdade na medida certa.
Neste final de século, a geração dos pais entre 40 e 50 anos aprendeu com seu tempo de rebeldia; tornou-se mais tolerante e liberal, mais aberta a novidades e mudanças.
Tolerância significa também não saber impor limites, obrigação paterna. Talvez pelo trauma do excesso de limites que recebiam quando eram filhos.
Talvez, e muito provavelmente, porque impor limite cansa e dá trabalho, num estilo, digamos, "adultescente".
Não encontraram uma geração de filhos rebeldes, inconformados com os valores e comportamentos básicos da sociedade. Eles, em essência, têm os mesmos projetos dos pais: um bom emprego, que lhes garanta salário e qualidade de vida. Daí a importância de estudar duro e entrar numa boa faculdade, além de se manter atualizado.
Ter dinheiro e acumular riqueza associam-se à felicidade. Nada próximo ao encanto dos gurus orientais ou à ojeriza ao consumo burguês ou ao encanto de letras de música como "eu-quero-uma-casa-de-campo"...
Ninguém está falando em viver em comunidades isoladas ou fazer da vida um deleite permanente, sair viajando pela Índia, transformar drogas em ideologia.
Não se falam em revoluções sociais, utopias, mas, embora desejem uma sociedade fraternal, a aposta é no individualismo.
As gerações não se diferenciam mais sequer pela roupa, corte de cabelo e gírias; jeans, camiseta e tênis é o traje universal.
Qualquer coisa que cheire a política é afastada. Partido político deve soar, aos mais jovens, como algo semelhante a Biotônico Fontoura.
Apenas 15% são favoráveis à legalização da maconha, 69% acreditam em Deus. E 70% querem se casar, uma expressiva parcela pretende subir no altar.
Quando perguntados sobre o que é importante na sua vida privada, deu, em primeiro lugar, boa relação familiar.
Está definitivamente enterrada a filosofia do "sem lenço e sem documento" junto com o projeto de uma sociedade igualitária.
Para entender esse enterro, basta comparar as roupas e, em especial, o saldo médio bancário do Caetano do Tropicalismo e os do Caetano de cabelo curto e gravata.
Será que teríamos, antes, tolerado Gilberto Gil, do "Expresso 2222", fazendo propaganda para empresas comerciais?
A valorização das relações familiares é saudável; reduz o ambiente de inferno. É resultado de um longo aprendizado, com base na noção dos direitos, do respeito à diversidade.
O grave, porém, é o cinismo diante da atividade pública. É um vírus destrutivo para a construção de uma sociedade mais justa e humana.
A tarefa dos educadores neste final de século é mostrar que, assim como música, a política também pode ter Caetano, Rita Lee e Gilberto Gil.
Do contrário, vamos viver no reino das esperteza e dos "podres poderes".
PS - A pesquisa da MTV mostra como, involuntariamente, a violência está ajudando a unidade familiar. A casa dos pais é vista como uma espécie de fortaleza.
A violência é o principal temor dos jovens; as cidades, uma sequência de armadilhas. Dos entrevistados, 26% tinham sofrido alguma violência nos últimos 12 meses.
Os dados do pânico são assustadores: 74% acham que a polícia inspira mais medo do que confiança; 64% afirmam que andar na rua é correr risco de assalto.
O resultado é que 43% defendem a pena de morte, e viver numa sociedade segura é, segundo a pesquisa, o maior sonho coletivo deste final de século.
Triste cenário. Tanta evolução tecnológica, expandindo a chance de se comunicar, transmitir dados, informações, combinada com a proibição do singelo ato de andar na rua sem medo.
Sinais dos tempos: a polícia, em São Paulo, recomenda que ninguém namore no carro. Para minha geração, quem não namorou no carro nunca soube de fato o encanto clandestino da paixão.
Como se vê, estamos mesmo ficando velhos. Até porque vou morrer sem aderir, por absoluta falta de embocadura, ao culto do pragmatismo.

E.mail:gdime@uol.com.br


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