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GILBERTO DIMENSTEIN
Papai sabe-tudo
Pesquisas de opinião pública
realizadas pela MTV detectaram
que o cinquentão Caetano Veloso
é o ídolo musical da juventude
brasileira. Na galeria de ídolos
aparecem, em lugar de destaque,
mais cinquentões, como Gilberto
Gil e Rita Lee.
Uma investigação feita pela
MTV com 2.425 entrevistas, divulgada na semana passada, revela
que esses ídolos simbolizam o novo comportamento da família
brasileira, com o desaparecimento do conflito de gerações e da rebeldia dentro de casa -justamente o ambiente que fez, nos
anos 60 e 70, tipos como Caetano
servirem de símbolo de mudança.
O fato: o jovem estica ao máximo a vivência com os pais, prefere
sair apenas depois de ter um salário que lhe garanta razoável nível
de vida. Ou, então, para casar.
Apenas 18% dos entrevistados
se dizem com muita vontade de
viver longe dos pais.
A maioria encontra compreensão (uma expressiva parcela transa no quarto, com a aprovação
paterna), comida e roupa lavada.
Lá fora, argumentam, há competição, baixos salários, desemprego
e violência.
Os pais ficaram mais jovens ou
os jovens mais velhos?
Indagados sobre a qualidade do
relacionamento com os pais, 93%,
da classe A, disseram ser ótimo e
bom com a mãe; 86%, com o pai.
Eles dizem que os pais estão
atualizados, querem educar seus
filhos no mesmo estilo e acham
que recebem a liberdade na medida certa.
Neste final de século, a geração
dos pais entre 40 e 50 anos aprendeu com seu tempo de rebeldia;
tornou-se mais tolerante e liberal,
mais aberta a novidades e mudanças.
Tolerância significa também
não saber impor limites, obrigação paterna. Talvez pelo trauma
do excesso de limites que recebiam quando eram filhos.
Talvez, e muito provavelmente,
porque impor limite cansa e dá
trabalho, num estilo, digamos,
"adultescente".
Não encontraram uma geração
de filhos rebeldes, inconformados
com os valores e comportamentos
básicos da sociedade. Eles, em essência, têm os mesmos projetos
dos pais: um bom emprego, que
lhes garanta salário e qualidade
de vida. Daí a importância de estudar duro e entrar numa boa faculdade, além de se manter atualizado.
Ter dinheiro e acumular riqueza associam-se à felicidade. Nada
próximo ao encanto dos gurus
orientais ou à ojeriza ao consumo
burguês ou ao encanto de letras
de música como "eu-quero-uma-casa-de-campo"...
Ninguém está falando em viver
em comunidades isoladas ou fazer da vida um deleite permanente, sair viajando pela Índia, transformar drogas em ideologia.
Não se falam em revoluções sociais, utopias, mas, embora desejem uma sociedade fraternal, a
aposta é no individualismo.
As gerações não se diferenciam
mais sequer pela roupa, corte de
cabelo e gírias; jeans, camiseta e
tênis é o traje universal.
Qualquer coisa que cheire a política é afastada. Partido político
deve soar, aos mais jovens, como
algo semelhante a Biotônico Fontoura.
Apenas 15% são favoráveis à legalização da maconha, 69% acreditam em Deus. E 70% querem se
casar, uma expressiva parcela
pretende subir no altar.
Quando perguntados sobre o
que é importante na sua vida privada, deu, em primeiro lugar, boa
relação familiar.
Está definitivamente enterrada
a filosofia do "sem lenço e sem documento" junto com o projeto de
uma sociedade igualitária.
Para entender esse enterro, basta comparar as roupas e, em especial, o saldo médio bancário do
Caetano do Tropicalismo e os do
Caetano de cabelo curto e gravata.
Será que teríamos, antes, tolerado Gilberto Gil, do "Expresso
2222", fazendo propaganda para
empresas comerciais?
A valorização das relações familiares é saudável; reduz o ambiente de inferno. É resultado de um
longo aprendizado, com base na
noção dos direitos, do respeito à
diversidade.
O grave, porém, é o cinismo
diante da atividade pública. É
um vírus destrutivo para a construção de uma sociedade mais
justa e humana.
A tarefa dos educadores neste
final de século é mostrar que, assim como música, a política também pode ter Caetano, Rita Lee e
Gilberto Gil.
Do contrário, vamos viver no
reino das esperteza e dos "podres
poderes".
PS - A pesquisa da MTV mostra
como, involuntariamente, a violência está ajudando a unidade
familiar. A casa dos pais é vista
como uma espécie de fortaleza.
A violência é o principal temor
dos jovens; as cidades, uma sequência de armadilhas. Dos entrevistados, 26% tinham sofrido
alguma violência nos últimos 12
meses.
Os dados do pânico são assustadores: 74% acham que a polícia
inspira mais medo do que confiança; 64% afirmam que andar
na rua é correr risco de assalto.
O resultado é que 43% defendem a pena de morte, e viver numa sociedade segura é, segundo a
pesquisa, o maior sonho coletivo
deste final de século.
Triste cenário. Tanta evolução
tecnológica, expandindo a chance
de se comunicar, transmitir dados, informações, combinada
com a proibição do singelo ato de
andar na rua sem medo.
Sinais dos tempos: a polícia, em
São Paulo, recomenda que ninguém namore no carro. Para minha geração, quem não namorou
no carro nunca soube de fato o
encanto clandestino da paixão.
Como se vê, estamos mesmo ficando velhos. Até porque vou
morrer sem aderir, por absoluta
falta de embocadura, ao culto do
pragmatismo.
E.mail:gdime@uol.com.br
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