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ARTIGO
No século 19, enchentes já faziam parte do cotidiano
RICARDO MOREIRA DE MESQUITA
ESPECIAL PARA A FOLHA
AS ENCHENTES em Santa Catarina são históricas, mas precisam deixar de ser. Não existem méritos
quando a ocupação humana desordenada favorece fenômenos
naturais que ceifam vidas.
A morfologia geológica que
favoreceu a colonização do Estado e a pluralidade étnica peculiar também facilitam a ocorrência de enchentes registradas por viajantes e exploradores. No século 19, nas falas e relatórios dos presidentes da
Província de Santa Catarina,
dirigidos à Assembléia Provincial e enviados à administração
real, na cidade do Rio de Janeiro, observa-se que as enchentes
já faziam parte do cotidiano.
Nesses documentos estão os
registros das atividades de governo, em que relatam a situação das finanças públicas, obras
provinciais, socorros à saúde e
tranqüilidade pública.
Não foram poucos os que
também deixaram sugestões
para combatê-las. O presidente
João Carlos Pardal, em 1838,
informava da necessidade de
mudança no traçado da estrada
para Lages, onde o rio Braço do
Norte, no sul do Estado, subia o
seu leito e avançava 44 metros
além das margens, a cada enchente. Em Porto Belo, já haviam mudado o trajeto da estrada, cansados de reconstruir
as pontes em razão das cheias.
Fixar-se às margens dos rios
é uma opção do homem desde
remotos tempos, pela fertilidade das terras e garantia de alimentação, a luta pela sobrevivência. Em Santa Catarina, a
colonização não foi diferente
de outras sociedades de regadio
-Egito, Mesopotâmia, Delta
do Ganges e rio Amarelo. A serra Geral, com seus contrafortes, limita o planalto ocidental
da planície litorânea, recortada
em belas praias, promontórios
e pelos rios que nela nascem e
se fazem ao mar.
Muitos outros relatos sobre
tempestades, inundações -o
vocábulo preferido na época-
estão registrados. Mas a enchente ocorrida em 1880 deixou marcas no Estado, talvez
tanto quanto deixará a de 2008.
Entre os dias 27 e 28 de setembro de 1880, escreve o presidente da Província, João Rodrigues Chaves, "elevaram-se
as águas do rio Itajaí e seus
afluentes a um nível que excedeu todas as previsões e inundaram rapidamente e impetuosamente todo o grande vale [...],
Blumenau, o núcleo colonial de
Luiz Alves e o povoado de São
Pedro do Gaspar, causando graves danos e muitas perdas de
vidas. Estradas, pontes de grande valor, habitações, engenhos,
todas as plantações, fundadas
nestes férteis municípios e nos
de Tijucas e Tubarão".
E o presidente continua:
"Vou abrir a vossos olhos o quadro triste desta desgraça. Na
Colônia de Itajaí pereceram
nessa inundação três pessoas;
em Blumenau, 11; em Luiz Alves, 25; em Tubarão, três, e, finalmente, em Tijucas, uma
pessoa, em um total de 42 mortos". A solidariedade brasileira
era bem-vinda. Chaves louva os
atos de caridade e cita vários
doadores, inclusive dom Pedro
2º, sua majestade imperial, e a
imperatriz Thereza Christina.
Chegaram doações das províncias vizinhas do Paraná e Rio
Grande do Sul. O povo é grandioso, solidário, mas não recebe soluções.
No século 20, as maiores
cheias na região do Vale do Itajaí ocorreram em 1957, 1961,
1984 (a grande enchente que
atingiu Blumenau) e a de 1987.
Em 24 de março de 1974, chuvas intensas de dois dias desceram a serra arrasando Tubarão,
no sul de Santa Catarina.
O desmatamento, a ocupação
desordenada das encostas,
a omissão dos poderes públicos
no controle demográfico de
regiões de risco, associados à
especulação imobiliária, lavouras e plantações desordenadas
nos picos dos morros, agravam
os eventos.
A comunicação instantânea
pode transformar a enchente
de 2008 em um triste e grandioso espetáculo que passará
para a história como mais
uma inundação. Ou será, a
continuar a inércia da gestão
pública, mais uma histórica
enchente?
RICARDO MOREIRA DE MESQUITA é jornalista, escritor e historiador, sócio-efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e
membro da Academia Desterrense de Letras.
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