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LETRAS JURÍDICAS
Uma tristeza e as muitas agitações de 2002
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A perda irreparável de
Evandro Lins e Silva marcou com a tristeza o final de 2002.
Entre as lições que ele deixou,
uma é especial: somos senhores de
nosso tempo e devemos, para
aproveitá-lo, cumprir bem nosso
dever, até o fim. As outras marcas
agitaram o ano. A mais importante, em nosso universo jurídico,
foi o sucesso da Justiça Eleitoral.
Permitiu a livre escolha dos novos
governantes da República e dos
Estados, de modo organizado,
com votação recorde. Foi da solução rápida dos resultados à superação dos pequenos problemas
surgidos. Seguiu-se a transição
democrática, e, agora, só resta
que o Excelentíssimo Senhor Luiz
Inácio Lula da Silva se emposse e
acompanhe o ex-presidente até a
porta, para que tome seu rumo
como intelectual de prestígio e de
dever cumprido. Bem cumprido.
No pleno internacional, o tema
nuclear das discussões jurídicas,
em 2002, foi relativo aos efeitos
dos atentados de 11 de setembro
de 2001. No fim do ano, o presidente dos Estados Unidos, George
W. Bush, autorizou agentes da
CIA a matarem terroristas, onde
forem encontrados. A decisão dá
origem a questões importantes. O
direito nacional do país em que a
morte ocorrer será violado e exigirá medidas reparadoras, salvo
se seu governo der cobertura à
ação. Na guerra clássica, a morte
do inimigo é a regra. Na guerra
contra o terrorismo não há conflito entre nações, mas luta de agentes dos países mais desenvolvidos
contra participantes de organizações que vêem na morte uma forma de felicidade. O papa João
Paulo 2º mostrou, em sua oração
de Natal, que o combate ao terrorismo não pode dar lugar a excessos que atinjam inocentes.
Na lei brasileira, as medidas
provisórias continuaram, por um
lado e sem novidade, a agitar o
mercado de peixes do sistema jurídico, mesmo com as restrições
impostas à sua edição. Por outro
lado, a renovada Lei das Sociedades por Ações e a publicação do
novo Código Civil agitaram os
operadores juristas. A aplicação
da codificação civil está assustando os praticantes do direito de
empresa, alvo de modificações radicais, além da revogação da parte primeira do Código Comercial.
Outras agitações possíveis não
decorrem diretamente do direito.
A ciência gerou novos problemas
com a reprodução assistida e o
anúncio de que a clonagem humana já é realidade. A tradição
jurídica no campo da família e
das sucessões terá de fazer ajustes
aos quais a cidadania deve se preparar. Mudando para o lado da
criminalidade, no segundo semestre foram reiteradas as tentativas de modificar a lei dos crimes
hediondos, para acolher o critério
progressivo das penas, substituindo o cumprimento integral em regime fechado. Não encontraram,
fora dos ambientes da técnica jurídica, acolhimento tranquilo.
O congestionamento do Judiciário continuou a se agravar no
decorrer do ano. Foi assim em
São Paulo e nos tribunais superiores. Sem uma solução para o
problema (que não seja a da diminuição dos recursos ou de seu
acesso aos tribunais superiores)
chegar-se-á a um ponto de estagnação insuportável, de semifalência, que já se poderá caracterizar
em 2003. As agitações de 2002,
embora grandes, serão um quase
nada diante do que nos espera.
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