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São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2003

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GILBERTO DIMENSTEIN

Lula foi bem

Se fôssemos julgar o primeiro ano do presidente Lula com base em suas promessas de campanha, a nota seria zero.
O nível de emprego piorou, as relações de trabalho, com o aumento da informalidade, ficaram ainda mais precárias e a renda do trabalhador continuou caindo.
Como Lula se elegeu baseado nas promessas de mais dinheiro no bolso dos mais pobres -e justamente aí está o principal indicador-, o primeiro ano de governo poderia ser tido como um "ano perdido".

 

Não se viu nenhum programa inovador de investimentos sociais. Não mudaram, exceto nas intenções do Bolsa-Família, a fragmentação e a dispersão dos programas de combate à miséria. As ações em prol da juventude são tímidas, ousaria dizer quase inexistentes. Isso significa dizer que as ações contra a violência são igualmente frágeis.
O Fome Zero nasceu desnutrido, continua desnutrido e chegou a ressuscitar práticas antigas, como a distribuição de leite. Tal improvisação e falta de consistência fragilizaram a imagem de inovação social tão associada ao PT.
 

As metrópoles explodem, mas o governo não apresentou um plano abrangente de intervenção urbana apesar de ter criado o Ministério das Cidades. A ministra Benedita da Silva, justa ou injustamente, notabilizou-se mais pelas viagens que fez do que pelos benefícios sociais que distribuiu.
O ministro Cristovam Buarque saiu-se melhor, até agora, como um formador de opinião a apontar as mazelas e dificuldades da educação do que como o responsável pela apresentação de soluções concretas para superá-las.
 

Lula começou seu mandato fazendo estardalhaço com o programa Fome Zero, mas o "zero" ficou mesmo para o crescimento econômico. Daí que a nota do governo, visto do palanque, é zero.
Dar nota da perspectiva do palanque é, porém, injusto.
 

Se eu tivesse de dar uma nota, faria uma ponderação entre o que se prometeu, o que se poderia efetivamente apresentar e o que se impediu que acontecesse.
Desses três índices, dou peso maior ao que ele evitou. Até porque nunca imaginei (nem muito menos escrevi) que qualquer presidente que assumisse nas condições em que Lula assumiu pudesse levar o país a ter crescimento alto, baixando o desemprego e aumentando os salários. Talvez pudesse ser um pouco melhor, mas nunca muito melhor.
 

O valor do mandato de Lula até agora está no fato de que acabamos o ano com a inflação em baixa, com os juros altos, mas caindo. Manteve-se a estabilidade. Alguém poderia dizer que Lula foi bem porque ajudou a manter o que seu antecessor conquistou. É, de certa forma, verdade.
Se o presidente não conseguisse rapidamente dissipar os receios de que, uma vez no poder, faria maluquices, estaríamos agora à beira do desespero, falando em moratória, rompimento com o FMI, evasão de divisas, agitações sociais ou coisas parecidas. Certamente a inflação estaria devorando ainda mais vorazmente os salários.
 

Para ganhar credibilidade, o presidente teve de dar prosseguimento ao que sempre condenou e, além disso (é esse o ponto alto de seu mandato), bancar uma reforma previdenciária.
A reforma está longe de satisfazer a quem (como este colunista) considera absurdo o contribuinte pagar tanto imposto e receber tão pouco em troca. A verdade é que não há estímulo para quem deseja trabalhar e gerar emprego.
Mas não foi pouca coisa o Partido dos Trabalhadores perceber que seria melhor pisotear seu discurso passado, irreal e irresponsável do que sacrificar as perspectivas de futuro. A chance de crescimento do país depende, entre outras coisas, da redução dos gastos oficiais.
Para fazer isso, o partido teve de cortar a própria carne, já que a maioria da liderança do funcionalismo público estava associada à história do PT.
 

Como minha perspectiva não é a do palanque, mas a da realidade da crise, considero que Lula, nesse primeiro ano, foi bem e talvez tenha lançado (apenas lançado) as bases para um crescimento sustentável.
Está bem longe, longíssimo de dez, mas também não está perto do zero.
Estou na situação do indivíduo que vai ao médico com medo de um câncer e, aliviado, descobre que está com uma pneumonia.
 

PS - A principal questão política brasileira se resume no seguinte: mesmo que a economia cresça no próximo ano, a melhoria do nível de emprego será suficiente para que o governo mantenha o prestígio e não se sinta tentado a medidas de palanque?

E-mail - gdimen@uol.com.br


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