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PASQUALE CIPRO NETO
Confusões "tremísticas"
Como diz um conhecido locutor, "eu já sabia!". Bastou
escrever duas linhas sobre o bendito trema para choverem perguntas a respeito do bem/mal-amado sinalzinho. Só me resta,
pois, voltar à questão.
É imperativo repetir, taxativamente: o trema não morreu; o trema não foi eliminado, abolido
etc. Essa afirmação responde aos
que entraram no site da ABL
(Academia Brasileira de Letras) e
leram parte(s) do que diz o "Acordo Ortográfico" ou do que se diz
sobre ele. Por sinal, quando penso
no "Acordo", lembro-me do genial poema "Pneumotórax", de
Manuel Bandeira ("A vida inteira que podia ter sido e não foi").
Caros leitores, o "Acordo" não foi,
não é e -tudo leva a crer- não
será. O "Acordo" não vige.
Vamos ao histórico. Em maio
de 1986, no Rio de Janeiro, foi realizado um encontro entre representantes de seis dos sete países
que formavam a comunidade lusófona (o representante da Guiné-Bissau não pôde comparecer).
O objetivo desse encontro era a
formulação de um acordo ortográfico entre os sete países de língua oficial portuguesa.
O filólogo Antônio Houaiss
(principal negociador do "Acordo" pelo lado brasileiro) informa
em seu livro que trata da questão
que "o projeto de 1986 foi considerado muito radical" (eliminavam-se os acentos nas proparoxítonas e paroxítonas). Houaiss informa também que "a forte oposição que criou, sobretudo em Portugal, foi a responsável pelo fracasso desse acordo".
As delegações voltaram a se
reunir em outubro de 1990, em
Lisboa, e lá elaboraram um novo
acordo, que foi aprovado em 12 de
outubro e assinado em 16 de dezembro desse mesmo ano.
Na "Base XIV" ("Do trema") do
texto oficial do "Acordo", lê-se esta norma: "O trema, sinal de diérese, é inteiramente suprimido
em palavras portuguesas ou
aportuguesadas". Na verdade, a
expressão "inteiramente suprimido" é desmentida nas últimas linhas desse item: "Conserva-se, no
entanto, o trema (...) em palavras
derivadas de nomes próprios estrangeiros: hübneriano, de Hübner, mülleriano, de Müller, etc.".
Pois bem. A roda começa a pegar no artigo 3º do texto oficial do
"Acordo", em que se lê o seguinte:
"O Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa entrará em vigor em
1º de janeiro de 1994, após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do
Governo da República Portuguesa". Estamos em 2004, e nada de
nada de esses "instrumentos de
ratificação" serem depositados.
Entendeu, caro leitor, por que o
"Acordo" me faz pensar no poema de Manuel Bandeira?
A última edição do "Aurélio"
(lançada em 1999), o "Dicionário
Houaiss" (lançado em 2001) e a
última edição (de 1999) do "Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa", da ABL, grafam
com trema as palavras em que deve haver esse sinal. Pelo site da
ABL (www.academia.org.br), é
possível consultar o "Vocabulário
Ortográfico". Experimente, por
exemplo, procurar a palavra
"tranquilo" (sem trema). Sabe
qual será a resposta? Será esta:
"Nenhuma palavra encontrada
na pesquisa". Se você digitar
"tranqüilo" (com trema), o vocábulo aparece em seguida.
Repito o que escrevi na semana
passada: idiossincrasias à parte,
cumpri meu papel, o de explicar
por que e como se usa (e não se
usa) o bendito sinal. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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