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DANUZA LEÃO
Um amor calmo
Era segunda-feira de Carnaval, e um casal, visivelmente estrangeiro, entrou no restaurante para almoçar; eram
15h30, sinal de que tinham ido
dormir tarde na véspera. Ele devia ter uns 55, ela, uns 45; ambos
em boa forma, queimados de sol,
bermuda, camiseta, sem nenhuma concessão à moda ou à malhação. Era apenas um casal de
turistas, dois turistas legais.
O forte naquele restaurante
eram os produtos do mar; depois
de olhar a carta de vinhos com
atenção (mas sem exageros),
ele pediu um branco, e os dois ficaram conversando, uma conversa normal.
Ela não tinha cara de esposa,
mas também não tinha cara de
amante. Não havia entre os dois
aquela indiferença de quando o
casamento já desandou, mas o
clima também não era de um
querer impressionar o outro. Pareciam pessoas normais, resolvidas, que estavam juntas porque
queriam, e suficientemente maduras para não ficarem de beijinhos em lugares públicos -e talvez nem privados.
O vinho chegou; ele sentiu o
aroma, provou, fez tudo que fazem os conhecedores, discreta e
rapidamente, e sobretudo -sobretudo- não fez disso a razão
principal nem do almoço nem da
vida. Também não deu para ela
provar nem pediu sua opinião,
nem havia por quê. Era ele que
sabia, era ele que comandava, e o
principal: ela sabia que podia
confiar nele, portanto não havia
nada a ser discutido.
Continuaram conversando
-pouco- sobre assuntos mais
ou menos gerais, atentos ao que se
passava em volta, mas sem perder
tempo com comentários sem importância só para não ficarem calados. Eles tinham esse privilégio:
conviviam bem com o silêncio.
Quando ele achou que o vinho,
que estava num balde de gelo, estava na temperatura certa, serviu
os dois copos. Nem aí houve comentários tipo o vinho está assim
ou assado: já se sabia que estava
bom, portanto não havia o que
discutir, era só beber e pronto.
Aí chegou à mesa um imenso
prato cheio de ouriços. Nessa hora
houve uma certa tensão: do total
relax, passaram a uma atitude
mais engajada, olharam e discutiram sobre eles com a maior seriedade, e comeram -comeram
não, saborearam- todos eles
com respeito e prazer: muito
prazer. Em seguida partiram para uma montanha de ostras (a
essas alturas já na segunda garrafa de vinho branco), e foram se
descontraindo.
A conversa animou, e falaram
sobre grandes momentos em que
haviam comido coisas inesquecíveis, dos lugares a que pretendiam voltar para repetir algum
prato maravilhoso; arremataram
o almoço com uns lagostins grelhados, cujas cabeças foram sorvidas com aquele ardor de só quem
sabe que é na cabeça que estão os
melhores sabores -e isso em
qualquer bicho.
Café, a conta, se levantaram e
saíram; ele botou a mão no ombro dela muito naturalmente, como se faz com uma coisa que não
precisa ser conquistada porque já
tem dono; ela, que estava acostumada a isso, nem segurou a mão
dele para fazer um carinho, só ficou normal; saíram calmos, tranqüilos, seguros e de bem com a vida, uma sensação talvez maior do
que a de felicidade, que é sempre
um pouco nervosa.
Dali devem ter ido para o hotel
dormir um pouco, sem precisar se
provar que se amavam.
Deve ser muito bom viver assim.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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