São Paulo, domingo, 29 de fevereiro de 2004

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ENTREVISTA

"Doutores da Alegria" divertem crianças em dez hospitais do país

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Imagine médicos e enfermeiros olhando o hospital e os pacientes pelos olhos de um palhaço. As relações seriam mais alegres e a internação vista de maneira diversa, especialmente para as crianças.
Depois de 12 anos de experiência, os palhaços do grupo Doutores da Alegria estão caminhando nessa direção. Na semana passado, eles desfilaram no Bloco do Miolinho Mole pelos corredores do Hospital Barão de Lucena, em Recife (PE), engrossado por médicos, enfermeiros, crianças e pais das crianças.
O Barão de Lucena é o décimo hospital atendido pelo grupo Doutores da Alegria. Agora são dois em Recife, dois no Rio e seis em São Paulo. O grupo começou a ser montado no fim de 91 e hoje tem 42 integrantes. Duas vezes por semana, um casal de palhaços percorre as pediatrias dos hospitais, parando em cada leito.
O grupo conta com o suporte da psicóloga Morgana Masetti, autora de dois livros sobre o grupo -o último deles é "Boas Misturas", editado pela Palas Athena. "Os profissionais estão preparados para lidar com doenças, mas raramente com pessoas e saúde", diz a psicóloga.
O grupo Doutores da Alegria começou com Wellington Nogueira, 43, que foi estudar teatro nos EUA e acabou fazendo parte de uma trupe que se apresentava em hospitais. "O efeito era tão benéfico que decidi trazer a experiência para o Brasil", diz. Começou, sozinho, no Hospital e Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, no Jabaquara (zona sul). Hoje, existem cerca de 200 iniciativas semelhantes no país. A equipe dos Doutores da Alegria é patrocinada pelo Tylenol e pela TRW e tem o apoio da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
"Os besteorologistas formam a mais nova especialidade na medicina", brinca Nogueira. Abaixo, trechos de sua entrevista:

 

Folha - Como se dá a relação do palhaço com a criança? Que importância isso tem para ela?
Wellington Nogueira
- Cada criança tem uma reação e um tempo de aceitação. Nós sempre consultamos a criança se ela quer ou não nossa aproximação. Com isso, vai se criando uma relação de confiança, a criança sente que ela está tomando uma decisão e que é respeitada. Nesse momento, ela sente que está retomando o controle sobre seu corpo, sobre sua vida. Até então, sua vida estava apenas na mão do médico. Quando ela sente que está dando as cartas, ela passa a olhar a internação de outra forma, começa a propor mudança, vai tomando um papel pró-ativo na sua recuperação.

Folha - Os médicos e os profissionais de saúde também participam?
Nogueira
- O trabalho é sempre focado na criança, mas não há como não envolver também os pais e os profissionais. Quando o médico e os enfermeiros também participam da brincadeira, eles estabelecem uma relação de igual para igual com a criança. E isso é importante para todo mundo.

Folha - Como as crianças que estão sentindo dor recebem vocês?
Nogueira
- Cada criança lida com a dor de um jeito e é importante que ela expresse o incômodo que está sentindo. A dor está ali, ocupando um espaço. Se você propõe uma brincadeira e ela aceita, ela deixa de prestar atenção na dor. Às vezes ela mistura o choro com o riso, está brincando e escapa uma lágrima. Um menino disse outro dia: "Quando eu brinco, não dói". Uma enfermeira relatou o caso de uma criança que sentia muita dor quando fazia fisioterapia, mas quando estourava as bolhas de sabão, fazia movimentos difíceis e não sentia dor.



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