São Paulo, sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

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Dois já foram mortos, diz suspeito de furtar o Masp

Moisés Manuel de Lima Sobrinho afirma ter como comprovar que 1 membro da quadrilha foi morto com 86 tiros na zona leste

LUIS KAWAGUTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O chefe de cozinha Moisés Manuel de Lima Sobrinho, 25, que confessou ter planejado o furto ao Masp (Museu de Arte de São Paulo), no dia 20 de dezembro, afirma que é ameaçado pela pessoa que encomendou os quadros. "Minha família foi coagida, minha mulher teve que se mudar", relatou, ontem, em entrevista no CDP 2 (Centro de Detenção Provisória) do Belém, na zona leste de São Paulo. Sem dar nomes, e muitas vezes contraditório, Moisés diz que dois dos envolvidos já foram mortos. Filho de fazendeiro, Moisés alternou momentos de seriedade, riso e choro e chegou a dizer que cobraria pelo nome do receptador dos quadros -o que foi recusado pela reportagem.
O sumiço dos quadros "O Lavrador de Café", de Portinari, e "Retrato de Suzanne Bloch", de Picasso, foi o maior furto de obras de arte do país. As telas foram recuperadas, intactas, em Ferraz de Vasconcelos.

 

FOLHA - Como o senhor se envolveu no furto ao Masp?
MOISÉS MANUEL DE LIMA SOBRINHO -
A pessoa que me procurou sabia que eu tinha um grande conhecimento em obras de arte e que, provavelmente, eu saberia como armazenar, como transportar e como negociar se fosse preciso. Eu nunca fiz nada de errado, foi a primeira e última vez que cometi um delito.

FOLHA - Quem encomendou as obras?
MOISÉS -
Uma pessoa que tem muita notoriedade pública. Ela me procurou por intermédio de um amigo que sabia do meu conhecimento de arte. Eles me convidaram para participar no mesmo dia do furto. As pessoas que iriam furtar os quadros desistiram, não tiveram coragem no dia, e eu acabei indo.

FOLHA - O que lhe passou pela cabeça?
MOISÉS -
Eu não iria participar do furto efetivamente. Eu só daria as informações de como guardar e como manusear, mas sem participação, e não ia receber nada por isso.

FOLHA - Quem encomendou os quadros? É estrangeiro?
MOISÉS -
É brasileiro, muito conhecido.

FOLHA - O senhor teve contato direto com ele?
MOISÉS -
Direto, sem intermediários.

FOLHA - A pessoa que o apresentou a ele foi o Robinho [Robson de Jesus Jordão, também preso]?
MOISÉS -
Não foi o Robinho.

FOLHA - O sr. tem medo de represálias da pessoa que o contratou? MOISÉS - Com certeza. Tenho como comprovar que uma das pessoas [membro da quadrilha] foi morta na zona leste. Ela recebeu 86 tiros. Isso foi antes da minha prisão. Acho que dois [comparsas] foram [mortos] antes da minha prisão. Um deles foi encontrado [pelos assassinos] com o Robinho, mas o Robinho fugiu e ele ficou. A partir dessa data ele não apareceu mais.

FOLHA - O senhor tem provas contra quem o contratou?
MOISÉS -
Não, mas tenho indícios. Todos os indícios provam a participação dessa pessoa. Inclusive pelo fato de ela ter visitado os quadros em Ferraz de Vasconcelos.

FOLHA - O Robinho, o Laerton ou alguém o intimidou?
MOISÉS -
Não, a intimidação veio de forma indireta do patrocinador, da pessoa que encomendou [os quadros].

FOLHA - Como?
MOISÉS -
As atitudes dele o condenam. Dois dos nossos desapareceram. Ele acha que a gente não vai falar, que vai se resguardar por medo. Eu já não tenho mais nada a perder.

FOLHA - Foi o senhor que escolheu os quadros?
MOISÉS -
Não, os quadros foram encomendados.

FOLHA - O senhor não fez lista de quadros, como dissera a polícia? MOISÉS - Na verdade, não era para ser um roubo simples de dois quadros. O roubo era para envolver um valor bem mais alto, eram oito quadros.

FOLHA - Quais?
MOISÉS -
Van Gogh, "Viagem ao Crepúsculo" ["Passeio ao Crepúsculo"]; "Garotas com Espiga" ["Menina com as Espigas"], do Renoir; Rafael, "Ressurreição de Cristo"; "O Colhedor de Café" ["O Lavrador de Café", de Portinari], "Retrato de Suzanne Bloch" [de Picasso]; "O Atleta", do Picasso, "Banho Nu" ou "Mulher Nua" ["Toalete"], de Picasso, e mais um que não consigo lembrar, um Renoir.

FOLHA - Como lidou com a divulgação de seu nome na mídia, quando estava foragido?
MOISÉS -
Eu estava em Brasília. A minha mãe estava assistindo à TV e eu tava do lado dela. Ela ficou bastante alterada e eu também, porque até então estava acima de qualquer suspeita. A primeira reação foi me esconder primeiro para depois achar um bom advogado. Ela ficou chocada, chorou bastante.

FOLHA - O sr. estava arrependido?
MOISÉS -
Estava.

FOLHA - O que o sr. faria com sua parte do dinheiro? Prometeram uma cifra?
MOISÉS -
Sim. A minha parte seria em torno de US$ 40 milhões, se fossem furtados todos os quadros.

FOLHA - O que o sr. pretendia fazer com sua parte do dinheiro?
MOISÉS -
Não sei, eu não tinha planos. O dinheiro não foi a grande fascinação de tudo isso. Foi o desafio mesmo de fazer. Foi um minuto de bobeira, um dia de besteira.

FOLHA - O que o seduziu não foi o dinheiro?
MOISÉS -
Foi a própria pessoa [receptador], porque até então eu não iria participar. Como uma pessoa que nunca roubou nada vai cometer o maior assalto de todos, se não me engano bateu o roubo ao trem pagador em três vezes? Eu não iria topar uma coisa dessas se não estivesse muito fácil.

FOLHA - Por que o sr. deu depoimentos diferentes à polícia?
MOISÉS -
O primeiro depoimento não foi pensado, era um momento de desespero, eu estava praticamente fugindo da polícia e das pessoas que queriam me matar.

FOLHA - Mas não era verdade, era?
MOISÉS -
Não.

FOLHA - Por que mentiu? Sentiu-se acuado?
MOISÉS -
Com certeza. Todo o aparato do Deic faz com que você se sinta acuado. Mas o último depoimento [no dia 19] não foi mentira. Eu não pequei pela mentira, mas pela omissão, deixei de dizer muita coisa na sala do delegado que para um juiz com certeza eu vou dizer.

FOLHA - Por que mudou de atitude?
MOISÉS -
Pensava que tinha muito a perder antes, mas a minha família foi coagida, minha mulher teve que se mudar. Ela teve que sair de São Paulo.


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