São Paulo, sábado, 29 de março de 1997.

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LETRAS JURÍDICAS
Adeus às armas?

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

Em "Adeus às Armas" ("A Farewell to Arms", de 1929), Ernest Hemingway criou vigorosa narração lírica, na qual se mesclaram amor e guerra. Nesse romance, aproveitou sua experiência como voluntário, na Primeira Guerra Mundial, que repetiria muitos anos mais tarde, na Guerra Civil Espanhola, na qual se inspirou para escrever "Por Quem os Sinos Dobram" ("For Whom the Bell Tolls"), de 1940. Entrando em processo depressivo, matou-se com um tiro na boca, de arma de grosso calibre, em 1961.
"Por que Hemingway?", há de perguntar intrigado o leitor que veio em busca de texto sobre assuntos jurídicos. Simples: foi assinada em 20 de fevereiro último a lei que considera crime possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, ainda que de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Parece, à primeira vista, um verdadeiro adeus às armas, imposto aos homens de bem. Sim, aos homens de bem, porque os delinquentes habituais, evidentemente, prosseguirão sem dar a mínima para o novo texto legal. Mas não é assim.
A lei instituiu o Sistema Nacional de Armas -Sinarm-, na Polícia Federal, para identificar e cadastrar armas de fogo, impondo a obrigação de registrar, a que estão submetidos todos os proprietários ou possuidores, bem como para expedir o respectivo certificado de registro. As armas serão mantidas exclusivamente no interior da residência ou dependência desta, ou, ainda, no local de trabalho do possuidor, desde que seja ele o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa.
O primeiro prazo para o registro terminará dia 20 de agosto próximo. Primeiro prazo porque poderá ser prorrogado por mais seis meses, a critério do Poder Executivo. A lei deu uma solução inteligente para o problema das pessoas que têm armas. Dentro do prazo referido, o proprietário, possuidor ou detentor de arma de fogo pode promover o registro, ficando dispensado de comprovar a origem da arma. Os termos do requerimento e seu processamento dependem de regulamentação a ser expedida pelo Poder Executivo, mas desde logo há uma garantia para os interessados: presume-se de boa-fé a pessoa que promover o registro. Ou seja: não haverá necessidade de exibir nota fiscal ou documento de compra.
Atente, porém, o leitor para a distinção entre registrar e ter porte de arma. Este último fica condicionado à autorização da Polícia Federal ou de outra, indicada no regulamento. A autorização valerá para o âmbito de cada Estado e será por tempo limitado. O interessado terá de fazer prova de sua idoneidade, de comportamento social produtivo, efetiva necessidade, capacidade técnica e aptidão psicológica para o uso da arma. Somente a autorização federal valerá para todo o território brasileiro.
A lei depende de duas regulamentações, a do certificado e do porte de armas e a da definição de armas e acessórios proibidos ou restritos, esperando-se que sejam emitidos até meados de abril. Trata-se de lei bem inspirada. Não proíbe, mas regulamenta. A vida e a morte de Hemingway, próprias de um espírito mergulhado nas agruras e nas violências da guerra, são em si mesmas momentos épicos no manuseio de armas. Sugerem que a lei tem um objetivo bom para a sociedade. Não é o caso de adeus, nem de dobrar de sinos. Constitui apenas a cautela de que todos precisávamos.

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