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LETRAS JURÍDICAS
Adeus às armas?
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
Em "Adeus às Armas"
("A Farewell to Arms", de
1929), Ernest Hemingway
criou vigorosa narração lírica,
na qual se mesclaram amor e
guerra. Nesse romance, aproveitou sua experiência como
voluntário, na Primeira Guerra Mundial, que repetiria
muitos anos mais tarde, na
Guerra Civil Espanhola, na
qual se inspirou para escrever
"Por Quem os Sinos Dobram" ("For Whom the Bell
Tolls"), de 1940. Entrando em
processo depressivo, matou-se
com um tiro na boca, de arma
de grosso calibre, em 1961.
"Por que Hemingway?", há
de perguntar intrigado o leitor que veio em busca de texto
sobre assuntos jurídicos. Simples: foi assinada em 20 de
fevereiro último a lei que considera crime possuir, deter,
portar, fabricar, adquirir,
vender, alugar, expor à venda,
fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar,
manter sob guarda e ocultar
arma de fogo, ainda que de
uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Parece, à primeira
vista, um verdadeiro adeus às
armas, imposto aos homens
de bem. Sim, aos homens de
bem, porque os delinquentes
habituais, evidentemente,
prosseguirão sem dar a mínima para o novo texto legal.
Mas não é assim.
A lei instituiu o Sistema Nacional de Armas -Sinarm-,
na Polícia Federal, para identificar e cadastrar armas de
fogo, impondo a obrigação de
registrar, a que estão submetidos todos os proprietários ou
possuidores, bem como para
expedir o respectivo certificado de registro. As armas serão
mantidas exclusivamente no
interior da residência ou dependência desta, ou, ainda,
no local de trabalho do possuidor, desde que seja ele o
responsável legal pelo estabelecimento ou empresa.
O primeiro prazo para o registro terminará dia 20 de
agosto próximo. Primeiro prazo porque poderá ser prorrogado por mais seis meses, a
critério do Poder Executivo. A
lei deu uma solução inteligente para o problema das pessoas que têm armas. Dentro
do prazo referido, o proprietário, possuidor ou detentor de
arma de fogo pode promover o
registro, ficando dispensado
de comprovar a origem da arma. Os termos do requerimento e seu processamento dependem de regulamentação a ser
expedida pelo Poder Executivo, mas desde logo há uma
garantia para os interessados:
presume-se de boa-fé a pessoa
que promover o registro. Ou
seja: não haverá necessidade
de exibir nota fiscal ou documento de compra.
Atente, porém, o leitor para
a distinção entre registrar e
ter porte de arma. Este último
fica condicionado à autorização da Polícia Federal ou de
outra, indicada no regulamento. A autorização valerá
para o âmbito de cada Estado
e será por tempo limitado. O
interessado terá de fazer prova de sua idoneidade, de comportamento social produtivo,
efetiva necessidade, capacidade técnica e aptidão psicológica para o uso da arma. Somente a autorização federal
valerá para todo o território
brasileiro.
A lei depende de duas regulamentações, a do certificado
e do porte de armas e a da
definição de armas e acessórios proibidos ou restritos, esperando-se que sejam emitidos até meados de abril. Trata-se de lei bem inspirada.
Não proíbe, mas regulamenta.
A vida e a morte de Hemingway, próprias de um espírito
mergulhado nas agruras e nas
violências da guerra, são em si
mesmas momentos épicos no
manuseio de armas. Sugerem
que a lei tem um objetivo bom
para a sociedade. Não é o caso
de adeus, nem de dobrar de
sinos. Constitui apenas a cautela de que todos precisávamos.
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