São Paulo, quinta-feira, 29 de março de 2001

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ABASTECIMENTO

Documento da empresa orienta funcionários a "minimizarem especulações" sobre racionamento na Grande SP

Sabesp maquia crise no sistema Cantareira

MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) maquia as informações sobre a crise no maior sistema de abastecimento da Grande São Paulo, o Cantareira.
A Folha obteve documento interno da empresa, intitulado "Estratégia de Comunicação - Posicionamento Atual" e produzido pela Superintendência de Comunicação, que estabelece orientações para um discurso padrão sobre o racionamento de água.
O texto recomenda "focar (o) racionamento no sistema Alto Cotia, até mesmo para minimizar especulações a respeito do sistema Cantareira" porque "é mais fácil trabalhar com este universo (380 mil pessoas)" que são abastecidas pelo Alto Cotia.
Segundo a presidente do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente), Elisabeth Tortolano, o documento foi distribuído para funcionários de níveis superiores ao de gerência. "Com a melhor das intenções, eles estavam dizendo, por exemplo, que o racionamento seria inevitável", conta Elisabeth.
Responsável pelo fornecimento de água para 9 milhões de pessoas em São Paulo e municípios da região metropolitana (53% da população total), o sistema Cantareira estava ontem com 38,8% de sua capacidade operacional. O índice é o menor desde 1987 e está 11,2 pontos percentuais abaixo da capacidade operacional mínima histórica em março, que é de 55%.
O déficit de chuvas no sistema, até fevereiro, era de 169 milímetros. Tudo indica que as precipitações de março também ficarão abaixo do esperado porque, até ontem, o acumulado era de 140,3 milímetros, quando a média histórica do mês é 197,2 milímetros.
O agravante da situação do Cantareira está no fato de, em razão de seu grande volume de reservação, ele ter reposição bianual. Isso significa que os seis reservatórios que formam o sistema levarão dois anos para voltar a encher, em vez de um ano, como ocorre com os demais.
Em entrevista à Folha na sexta-feira passada, o secretário de Estado dos Recursos Hídricos, Antonio Carlos de Mendes Thame, afirmou que "o que pode vir a acontecer é um problema de colapso no Cantareira".
A opinião é compartilhada pelo professor Aldo Rebouças, pesquisador da área de recursos hídricos do Instituto de Estudos Avançados da USP. "O problema é seríssimo porque o nível se aproxima do lastro (limite) do sistema."
Segundo Rebouças, o documento da Sabesp revela uma "estratégia comercial e política de esconder uma bomba prestes a explodir e torcer para que a fumaça não chegue às pessoas". Para ele, por seu caráter público e por lidar com um bem essencial, a empresa deveria ser mais ética.
"Em vez de estratégia de comunicação, eu chamo isso de estratégia de tapeação", afirmou o deputado estadual Cândido Vaccarezza (PT), que também teve acesso ao documento da Sabesp.
Anteontem, Vaccarezza protocolou na Assembléia um requerimento de informações à empresa sobre a real situação dos sistemas de abastecimento de São Paulo.
O deputado Nivaldo Santana (PC do B), ex-presidente do Sintaema e funcionário da Sabesp, considera a atitude da empresa um "desprezo à opinião pública" e diz que a situação no Cantareira é a mais crítica dos últimos anos.




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