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EDUCAÇÃO
Trabalho aponta erros graves sobre a religião em todas as apostilas de história do ensino fundamental analisadas
Livros didáticos distorcem o islamismo
LUÍSA BRITO
DA REPORTAGEM LOCAL
Com apenas 11 anos, o estudante Ahmad Amame, na época aluno da 6ª série, alertou os colegas
de classe que havia erros na apostila de história. Muçulmano, ele
percebeu que as informações sobre o islamismo estavam distorcidas. "A apostila dizia algumas coisas diferentes do que aprendi em
casa", explicou Ahmad, hoje com
13 anos, estudante da Escola Islâmica Brasileira, na Vila Carrão
(zona leste de São Paulo).
O episódio, que aconteceu há
dois anos, não é restrito à escola
de Ahmad. Uma dissertação de
mestrado feita na USP analisou 53
livros didáticos de história do ensino fundamental publicados entre 1985 e 2004 e mostrou que todos continham erros no conteúdo
sobre o islamismo.
Um dos erros mais comuns, por
exemplo, é dizer que jihad significa guerra santa. A tradução de jihad é esforço. Segundo a pesquisa, os erros levam a uma imagem
negativa dos muçulmanos.
Pelo menos 9 das 53 obras analisadas fazem parte do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) do governo federal e são distribuídas em toda a rede pública.
Em São Paulo, tanto o Estado
como a prefeitura escolhem seu
material didático de acordo com a
lista recomendada pelo governo
federal. Outros livros da lista são
usados por grandes escolas particulares da capital paulista.
"Algumas informações equivocadas podem gerar preconceito
no leitor ou até aumentar estereótipos", diz a professora Ana Gomes, autora da dissertação.
A professora, que ensina história a alunos do ensino fundamental de Campo Grande (MS), conta
que identificou erros pela primeira vez quando foi dar uma aula
sobre islamismo e procurou as
fontes oficiais, como o Alcorão
(livro sagrado da religião), e percebeu que o material tinha dados
em desacordo com as fontes.
Guerra
Um exemplo recorrente, segundo a pesquisadora, é informar que
o muçulmano acredita que, para
chegar ao paraíso, deve participar
de guerras e impor sua religião a
outros povos. Mas o Alcorão afirma que o muçulmano não pode
obrigar outras pessoas a aceitar
sua religião.
"Os livros estudados reproduziram apenas os significados errados que corriqueiramente são imputados a algumas palavras árabes", diz a professora, para quem
os problemas acontecem por desconhecimento, despreparo e desleixo de alguns profissionais.
Para poder identificar os erros,
ela comparou as informações dos
livros com fontes oficiais do islamismo. Também foram encontradas divergências de linguagem
com conotações negativas. Um
dos livros, por exemplo, diz que
Maomé foi com seu "bando" a Meca. Há ainda incorreções factuais
nos exemplares analisados.
"Passam uma imagem distorcida da crença de outros povos. Não
traz benefício para aluno nenhum", reclama o xeque Salah
Sleiman, da mesquita Brasil.
De acordo com o xeque, um erro comum é dizer que Maomé escreveu o Alcorão. "Ele recebeu
uma revelação de Deus e falou para seus companheiros, que escreveram [o livro]."
Didatismo
O fato de os erros estarem em livros didáticos pode ser prejudicial aos alunos e professores, afirma a orientadora da pesquisa Safa
Jubran. "Uma pessoa pode guardar a vida inteira uma informação
errada aprendida na escola", diz.
Outro problema é a falta de revisão dos livros. Edições diferentes
de uma mesma obra mostraram
que as mudanças se restringiram
às partes gráfica e editorial.
Além de não corrigir os erros, as
editoras também demoram para
atualizar o conteúdo. Dos 53 livros pesquisados, apenas um trazia informações sobre o ataque de
11 de setembro de 2001, no World
Trade Center, em Nova York. Segundo a pesquisa, apesar de o ataque ter feito com que as atenções
se voltassem para os muçulmanos, não houve melhora no nível
de informação sobre o islamismo.
O Ministério da Educação disse
que a avaliação dos livros que fazem parte do PNLD é bastante rígida. A análise das obras é feita
por especialistas de universidades
brasileiras, e cada livro é avaliado
por dois especialistas.
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