São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 2006

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EDUCAÇÃO

Trabalho aponta erros graves sobre a religião em todas as apostilas de história do ensino fundamental analisadas

Livros didáticos distorcem o islamismo

LUÍSA BRITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Com apenas 11 anos, o estudante Ahmad Amame, na época aluno da 6ª série, alertou os colegas de classe que havia erros na apostila de história. Muçulmano, ele percebeu que as informações sobre o islamismo estavam distorcidas. "A apostila dizia algumas coisas diferentes do que aprendi em casa", explicou Ahmad, hoje com 13 anos, estudante da Escola Islâmica Brasileira, na Vila Carrão (zona leste de São Paulo).
O episódio, que aconteceu há dois anos, não é restrito à escola de Ahmad. Uma dissertação de mestrado feita na USP analisou 53 livros didáticos de história do ensino fundamental publicados entre 1985 e 2004 e mostrou que todos continham erros no conteúdo sobre o islamismo.
Um dos erros mais comuns, por exemplo, é dizer que jihad significa guerra santa. A tradução de jihad é esforço. Segundo a pesquisa, os erros levam a uma imagem negativa dos muçulmanos.
Pelo menos 9 das 53 obras analisadas fazem parte do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) do governo federal e são distribuídas em toda a rede pública.
Em São Paulo, tanto o Estado como a prefeitura escolhem seu material didático de acordo com a lista recomendada pelo governo federal. Outros livros da lista são usados por grandes escolas particulares da capital paulista.
"Algumas informações equivocadas podem gerar preconceito no leitor ou até aumentar estereótipos", diz a professora Ana Gomes, autora da dissertação.
A professora, que ensina história a alunos do ensino fundamental de Campo Grande (MS), conta que identificou erros pela primeira vez quando foi dar uma aula sobre islamismo e procurou as fontes oficiais, como o Alcorão (livro sagrado da religião), e percebeu que o material tinha dados em desacordo com as fontes.

Guerra
Um exemplo recorrente, segundo a pesquisadora, é informar que o muçulmano acredita que, para chegar ao paraíso, deve participar de guerras e impor sua religião a outros povos. Mas o Alcorão afirma que o muçulmano não pode obrigar outras pessoas a aceitar sua religião.
"Os livros estudados reproduziram apenas os significados errados que corriqueiramente são imputados a algumas palavras árabes", diz a professora, para quem os problemas acontecem por desconhecimento, despreparo e desleixo de alguns profissionais.
Para poder identificar os erros, ela comparou as informações dos livros com fontes oficiais do islamismo. Também foram encontradas divergências de linguagem com conotações negativas. Um dos livros, por exemplo, diz que Maomé foi com seu "bando" a Meca. Há ainda incorreções factuais nos exemplares analisados.
"Passam uma imagem distorcida da crença de outros povos. Não traz benefício para aluno nenhum", reclama o xeque Salah Sleiman, da mesquita Brasil.
De acordo com o xeque, um erro comum é dizer que Maomé escreveu o Alcorão. "Ele recebeu uma revelação de Deus e falou para seus companheiros, que escreveram [o livro]."

Didatismo
O fato de os erros estarem em livros didáticos pode ser prejudicial aos alunos e professores, afirma a orientadora da pesquisa Safa Jubran. "Uma pessoa pode guardar a vida inteira uma informação errada aprendida na escola", diz.
Outro problema é a falta de revisão dos livros. Edições diferentes de uma mesma obra mostraram que as mudanças se restringiram às partes gráfica e editorial.
Além de não corrigir os erros, as editoras também demoram para atualizar o conteúdo. Dos 53 livros pesquisados, apenas um trazia informações sobre o ataque de 11 de setembro de 2001, no World Trade Center, em Nova York. Segundo a pesquisa, apesar de o ataque ter feito com que as atenções se voltassem para os muçulmanos, não houve melhora no nível de informação sobre o islamismo.
O Ministério da Educação disse que a avaliação dos livros que fazem parte do PNLD é bastante rígida. A análise das obras é feita por especialistas de universidades brasileiras, e cada livro é avaliado por dois especialistas.


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