São Paulo, sábado, 29 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SABEDORIA TIBETANA

Em encontro com médicos, líder do budismo defendeu mais pesquisas sobre o uso da meditação na saúde

Dalai-lama pede compaixão a médicos

Fernando Donasci/Folha Imagem
O dalai-lama no Centro de Convenções do Anhembi, em SP


CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dalai-lama bem-humorado, dando muitas risadas das próprias piadas, falou ontem sobre compaixão, ciência e espiritualidade a um público de quase 4.000 pessoas, no Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo.
"Muitos anos atrás, durante uma palestra em Londres, eu dizia que não era dotado de poder de cura. E que se havia alguém na platéia com esse poder, que curasse então uma coceira que eu tinha na nuca. Naquele momento ninguém se manifestou, mas, logo depois, apareceram várias pomadas", contou, arrancando gargalhadas da platéia.
Após suas apresentações, feitas parte em inglês parte em tibetano, Tenzin Gyatso, o dalai-lama, foi questionado por médicos e professores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) sobre vários assuntos ligados a saúde, ciência e espiritualidade.
Segundo ele, ciência e religião podem caminhar juntas. E, diante de um novo conhecimento científico, o budismo tibetano costuma mudar antigos conceitos. "Temos que ter a mente aberta." O dalai-lama também defendeu que os médicos exercitem mais a compaixão no atendimento aos pacientes. A seguir, trechos da sua apresentação.
 

CURA - Se vocês vieram aqui com alguma curiosidade, não há problema. Mas aqueles que vieram com uma expectativa de algo sobre-humano, sobretudo em busca de cura, é mais perigoso. É uma bobagem imaginar ou esperar isso. Quero que me vejam como um monge budista, com o compromisso de promover os valores humanos e a harmonia entre as religiões. As pessoas perseguem o ideal buscando no mundo externo. Recursos materiais são importantes, mas, se a nossa vida é feliz ou não, depende da atitude mental. Se alguém busca a felicidade, mas negligencia os valores internos, não será bem-sucedido.

COMPAIXÃO - Compaixão e altruísmo não são valores exclusivamente do seres humanos. Vemos que muitos animais têm vida social em que a cooperação é fundamental. As formigas, por exemplo, não têm um Estado de Direito, leis, polícia, mas funcionam até melhores que os seres humanos. Costumamos manifestar compaixão, mas com uma atitude manchada pelo apego, pelo preconceito. Quem se mantém muito autocentrado, fecha a porta interior. Sente-se só na vida, com medo, inseguro. A saúde também é afetada. O caminho [da compaixão] é o treinamento constante. Ainda não inventaram uma injeção milagrosa que leve a pessoa a desenvolver compaixão.

PAZ - A humanidade está caminhando lentamente em direção à paz. Não fomos feitos para agredir. Nossa conformação física é mais para coelho do que para tigre. Não temos garras. Nossas mãos, nossos braços foram feitos para acolher, e não para ferir. Até 50, 60 anos atrás, as pessoas tinham uma aceitação em relação à guerra, como se ela fosse algo inevitável. Mas agora os conflitos são acompanhados de desaprovação.

PROFISSIONAIS DA SAÚDE - O contato com a dor, com o sofrimento, pode fazer com que o senso de vida seja amortecido e a pessoa passe a lidar como se estivesse lidando com uma máquina que precisa de conserto. Assim, a medicação tende a não fazer efeito mesmo sendo indicada por um médico muito estudado, mas que tem o coração fechado. A eficácia está ligada aos valores que vêm do coração. Nas vezes que fui a hospitais fazer exames, tinha algo de mecânico na atitude dos profissionais. Não foi confortável.


Texto Anterior: Segurança: Irmão de líder do PCC é transferido
Próximo Texto: Panorâmica - Transporte 1: Estudantes de Belém protestam contra reajuste das passagens de ônibus
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.