São Paulo, domingo, 29 de maio de 2005

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DANUZA LEÃO

E agora?

A pergunta que mais se faz às crianças é: "O que você vai ser quando crescer?" Mas ninguém nunca pergunta: "O que você vai ser quando envelhecer?"
Em primeiro lugar, não ocorre a ninguém que isso vá acontecer algum dia; mas o tempo é traiçoeiro, a velhice vai chegando de mansinho e não poupa ninguém. Você se defende, claro, começando por se recusar a falar no assunto e usando de todas as possibilidades reais -que felizmente são infinitas- para ficar bem longe do tema. Não dizer a idade nem sob tortura é uma delas, mas não adianta muito: tem sempre alguém -sempre tem- para lembrar que estiveram juntas na inauguração de Brasília, e começa a fazer as contas, mentalmente, para lembrar quantos anos você devia ter, com quantos deve estar; erra -para mais, é claro-, acrescenta três ou quatro anos perfeitamente dispensáveis, e a história fica pior ainda. Existem as radicais, que acham que se deve começar a enganar a idade aos 12, mas para fazer isso só já tendo uma grande experiência de vida, o que não é bem o caso aos 12.
Há quem diga, em relação à velhice e a tudo em geral, que já que ela é inevitável, o melhor é relaxar e aproveitar; relaxar, sim, mas aproveitar o quê? A experiência que a vida te trouxe? Ora, ora.
Mas voltando: que tipo de pessoa você vai ser, quando não for mais tão jovem? (Assim fica mais leve). Fazer todos os sacrifícios e empenhar as alianças de todos os casamentos, se for preciso, para ficar mais esticadinha, mais lisinha, mais magrinha e com a perna mais durinha, é elementar; mas existem outras maneiras de lidar com o problema.
Deixar os cabelos embranquecerem -o chamado assumir- e passar a cuidar dos netos é uma delas. Não deixa de ser uma possibilidade, mas essa é uma vocação em extinção; hoje as avós costumam trabalhar e namorar, e, para essas, passar os fins de semana cuidando das crianças enquanto os filhos vão curtir uma praia não tem nada a ver. É emocionante ter netos, filhos dos nossos próprios filhos, mas eles não só dão muito trabalho como são a prova viva e barulhenta de que o tempo está passando -o que é melhor esquecer ou, pelo menos, não lembrar o tempo todo.
Para as avós mais lúcidas, assumidas ou não, o Natal é a grande provação. Todas as atenções dos filhos vão para seus próprios filhos, cujas gracinhas são contadas e recontadas entre risos e beijos; as avós não conseguem abrir a boca e dizer praticamente nada -nem devem, pois ninguém está interessado. Quando a festa acaba e todos vão embora, deixando a casa em escombros -porque é na casa delas, as avós, que os Natais acontecem-, existem procedimentos que devem ser seguidos assim que sair o último convidado. O primeiro é tirar a árvore e recolher todos os vestígios da data. Quando tiver acabado, mesmo exausta e para lembrar que ainda é uma pessoa, faça um grande uísque com muito gelo (se é que o gelo não acabou) e faça um brinde a você mesma. Depois, escolha cuidadosamente um CD, aquele, e lembre -com saudades, mas sem saudosismo- de como foi entrar num motel pela primeira vez, com aquele homem que pra você era tudo, ouvindo Roberto Carlos cantando "Café da Manhã". E quando voltar à realidade (se voltar) lembre, sem nenhuma culpa, que o próximo Natal é só daqui a um ano, isto é, daqui a 365 dias.
E se o ano for bissexto, 366 -o que é melhor ainda.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br

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