São Paulo, domingo, 29 de maio de 2005

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Em dúvida sobre os limites da masculinidade, heterossexuais evitam comportamento "suspeito" e temem ser confundidos

Macho Acossado

Karime Xavier/Folha Imagem
O comerciante Marcelo Tedesco, que se assustou com a parada em 2004, foge da drag queen Dimmy Kieer


PAULO SAMPAIO
DA REVISTA

São 16h30 de um sábado no salão de cabeleireiros unissex Lazinhos, no coração dos Jardins (zona oeste de São Paulo), e há muitos clientes homens e mulheres cortando os cabelos, tingindo, fazendo escova. Em um canto, um rapaz aguarda com uma toalha nos ombros que terminem o que começaram em sua cabeça.
O que será aquilo?
A reportagem pede para entrevistá-lo, o dono do salão cochicha no ouvido dele, que ri, tenta dizer que não, mas já é tarde.
"Não vai sair meu nome na matéria não, né? Nem foto", pergunta preocupado o rapaz, que trabalha no mercado financeiro e tem namorada há um ano e meio.
Mesmo depois da garantia de anonimato, ele explica, visivelmente constrangido, que está se submetendo a uma técnica conhecida como "relaxamento", que diminui o volume dos cabelos. O receio dele não é que as mulheres saibam, mas os homens.
"Já imaginou o que eles vão dizer no escritório?", diz o investidor, rindo. Ele está ali há meia hora e deve ficar mais 70 minutos.
Em plena nona edição da maior parada gay do planeta, que atravessa as avenidas Paulista e Consolação e neste ano quer atrair 2 milhões de pessoas, os homens heterossexuais estão incontestavelmente mais vaidosos, mas mais amedrontados com as interpretações dos colegas machos.
"Tem gente que não aceita ser atendido nem na sala reservada; quer vir antes de o salão abrir, ou depois de fechar, para que ninguém saiba que ele pinta o cabelo ou faz relaxamento", conta Lázaro Costa, 53, o Lazinho.
Em tempos de parada GLS recordista, não é difícil achar que "o mundo está mais gay". A enorme visibilidade do evento expõe não só drag queens mas homossexuais mais discretos -muitos dos quais jamais pensaram em fazer relaxamento nos cabelos.
"Por mais conservador que seja o homem, mais cedo ou mais tarde ele se rende ao bombardeio: que machão usava brinco ou fazia luzes no cabelo 30 anos atrás?", pergunta a psicanalista Adriana Italo, do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro.
Entre a maioria hétero, existe uma espécie de tabelinha do que "pode" e do que "não pode" (veja quadro ao lado). Ir à parada, só em família, com o filho pequeno no ombro, a mulher em uma das mãos e uma filmadora na outra.
"Neste ano eu vou levar minha filha de 15 anos para assistir, ela vai se divertir", acredita o comerciante Marcelo Tedesco, 34. Sem ter conhecimento da passeata gay, Tedesco abriu uma pizzaria um pouco antes do evento do ano passado, justamente em um shopping na esquina da avenida Paulista com a rua Augusta, espécie de epicentro gay -e não só em dia de parada. Ele e seu sócio Edivaldo Demarchi, 38, se tornaram simpatizantes no susto. "Lá no bairro (Jardim Avelino, na zona leste), a gente não depara com essas coisas. No dia da parada, teve um rapaz que entrou aqui na galeria de mãos dadas com o namorado, foi até o restaurante e, na hora de entrar, soltou a mão do outro e deu um tapinha na bunda dele", conta, rindo.
Um ano depois, os dois "simpatizaram" de vez. Vão pendurar até uma bandeira com as cores do arco-íris na fachada da pizzaria.

Medo versus ataque
O medo de ser confundido com o gay é menos freqüente do que o de ser "atacado" por um. Se por um lado é quase praxe, hoje, se considerar politicamente correto, o machão prefere se furtar a experiência de freqüentar um ambiente em que as "bibas" são maioria.
"Nós nunca fomos ao shopping Frei Caneca na vida. Dizem que lá os caras atacam mesmo. Você já foi?", perguntam o publicitário Rogério Bolzan, 31, e o advogado Ivan Coimbra, 36, esperando mesa na porta do restaurante Spot, de freqüência alternativa -e GLS. Eles explicam que gostam da comida dali, consideram o ambiente legal e acreditam que os muitos gays que freqüentam o local são "mais discretos".
Já é quase um lugar-comum entre os chamados "bofes modernosos" afirmar que as melhores mulheres são justamente as amigas inseparáveis dos gays. Bonitas, desencanadas e acessíveis, elas ficam encantadas com a suposta "modernidade" dos bofes. Mas isso não significa que sejam, de fato, tão desencanados quanto elas.
"Uma vez estive em uma festa cheia de mulher bonita, no Urbano. O problema é que tinha tanto viado que tive de me encostar na parede", conta Bolzan.
Dois dias depois que o investidor do primeiro parágrafo se submeteu ao "relaxamento", um outro cliente, de 46 anos, marca um "reflexo invertido" -técnica que suaviza os cabelos muito brancos. Esse empresário, que só trata dos cabelos antes de o salão abrir, parece ainda mais preocupado.
Mesmo com a cabeça mais moderna, melhor não dar bandeira. Pode parecer coisa de "invertido".

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