São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008

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Lei seca divide opinião de boêmios de SP

Entre os motoristas que concordam e os que discordam da nova lei, todos optam por continuar bebendo e dirigindo

"Não dá mais pra ver tanta gente sofrendo com perda de filho", diz industrial que chega a tomar até dez doses de uísque por noite

Eduardo Anizelli/Folha Imagem
Polícia intensifica blitze contra motoristas embriagados


PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

O industrial Celso Forni, 61, sete garrafas de Red Label por mês, considera a lei seca instituída há pouco mais de uma semana em todo o Brasil "corretíssima". Sentado no balcão do bar Azucar, no Itaim, onde chega a beber dez doses por noite, cinco vezes por semana, Forni diz que considera muito justa a aplicação de uma multa de R$ 955, mais a perda do direito de dirigir por um ano e a retenção do veículo a quem for pego ao volante depois de tomar o equivalente a um chope.
"A lei deveria ser mais rígida ainda. Não dá mais pra ver tanta gente sofrendo com perda de filho. Quero ser um exemplo para todo mundo."
Pouco depois da preleção, o industrial assume o volante de seu Peugeot e ruma para casa, em City América, a cerca de 15 quilômetros dali.
"Bebo há 40 anos e nunca sofri um acidente. Vou pra casa a 60 km por hora e, além disso, não existem carros com famílias a essa hora na rua", diz.
Em uma ronda na quinta-feira passada por bares do Itaim, Vila Madalena, Higienópolis, Itaim, Jardins e Vila Olímpia, a Folha observou que a maior parte dos entrevistados que dirigem depois de beber aplaude a fiscalização e a punição rigorosa, mas não pretende mudar.
De um lado estão os que, como Forni, consideram a lei "corretíssima", mas só para os outros. Os argumentos podem ser incríveis. "A quantidade aceitável de álcool no organismo depende muito de pessoa para pessoa; eu tenho 1,90 m de altura, peso 100 kg. Quanto eu posso agüentar de chope? Provavelmente mais do que um cara de 1,70 m", raciocina o bancário Virgílio (ele não quis dar o sobrenome porque tem dois filhos), 25, "mais de oito chopes".
Na mesma linha, o consultor Adriano Rodrigues, 31, contabiliza: "Eu costumo trabalhar 32 horas seguidas e, depois, vou pra casa dirigindo. Pergunto: isso é menos perigoso do que dirigir depois de, sei lá, quatro garrafas de cerveja?"

Chope, cachaça e vinho
Do outro lado do debate está o time dos articulados, que acha a aplicação da lei seca improvável, tem idéias plausíveis para justificar sua inviabilidade e, já que é assim, pode beber e dirigir sem culpa.
"Seria preciso redimensionar o lazer noturno, oferecer transporte público decente pro bêbado e contar com a pré-disposição da população", diz um dos quatro motoristas alcoolizados de uma mesa de dez pessoas com idades entre 30 e 50 anos do bar Jacaré, na Vila Madalena. Ele bebeu oito copos de cerveja, três de vinho, dois de cachaça ("mas eu moro a menos de 2 km daqui"). O debate ali cresce, mas ninguém quer dar o nome. "O máximo que essa lei pode promover é um aumento de corrupção", diz um. "Assim que o bafômetro detectar o filho de um desembargador, a lei é revogada", aposta outro.
No Spot, próximo à Paulista, o médico Fernando Torres, 38, duas taças de vinho, derruba a lei com um peteleco ilustrativo. "Você enche a cara, sai de carro, bate em outro, mata uma criança e se machuca. No hospital, para fazer um exame de dosagem de álcool em você, eu preciso da sua autorização. Entendeu? Não é fácil controlar."
Entre a turma de Forni e a dos incrédulos existe um contingente de inconformados.
A analista judiciária Eliane Ferraz, 39, três uísques, saca da bolsa a lei e diz: "Isso é inconstitucional, cabe recurso. Então agora você sai para um jantar romântico e não pode beber duas taças de vinho? Se me multarem, vou recorrer!"
Se as duas taças de vinho excederem seis decigramas por litro (o equivalente a dois chopes), Eliane vai presa. Seis meses a três anos afiançáveis (de R$ 300 a R$ 1.200).
"A gente vive em uma sociedade de risco: você quer beber, ter um carro que ande a 300 km/h, tomar ecstasy. Criminalizar é muito drástico, não funciona. Só vai banalizar", diz alguém na mesa do Jacaré.
Perto dali, um autêntico representante da espécie "zuzo bem" questiona: "O bafômetro pega ecstasy?"


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