São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008

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Reformas mudam arquitetura das fachadas de Brasília

Materiais usados na construção das quadras residenciais estão sendo substituídos, sob protestos de especialistas

Azulejos, pastilhas e concreto vêm sendo trocados por mármore, granito, vidros coloridos e ornamentos em gesso

JOHANNA NUBLAT
SIMONE IGLESIAS

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Mármore, granito, vidros coloridos espelhados e ornamentos em gesso vêm gradualmente tomando conta da paisagem das quadras residenciais do Plano Piloto de Brasília, ocupando o lugar de azulejos de Athos Bulcão, pastilhas de cores e formatos discretos, cobogós e do concreto, material símbolo do modernismo de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.
Basta caminhar pelas quadras, especialmente na Asa Sul -área no perímetro tombado, onde moram as classes média e média alta-, para perceber que Brasília vive uma onda de reação à estética modernista e funcional que a tornou patrimônio cultural da humanidade.
O revisionismo da arquitetura desagrada especialistas e o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), mas como o tombamento não proíbe a troca de materiais nas fachadas, o avanço do gesso e das janelas espelhadas dificilmente será contido.
"A descaracterização dos edifícios é terrível, mas só podemos lamentar. Essas mudanças são mistura de duas coisas: desconhecimento e mau gosto", disse o superintendente do Iphan do DF, Alfredo Gastal.
Segundo ele, o instituto não pode fazer censura estética, pois o tombamento dos prédios residenciais é volumétrico, mantendo altura e largura -os prédios residenciais brasilienses são todos caixotes retangulares com até seis andares.
"A revitalização das fachadas virou uma zorra. Esperava-se que as pessoas respeitassem a boa arquitetura, mas a realidade mostra que vem preponderando o gosto duvidoso, que mistura mármore com granito e gesso ornamental, materiais que dão falsa demonstração de riqueza numa alusão aos prédios da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro", afirmou Gastal.
Mesma opinião tem o arquiteto Carlos Magalhães, ex-genro e amigo de Niemeyer. Ele disse que desistiu de participar de reuniões de condomínio. "Não vou mais porque me aborreço. Se querem colocar sanca de gesso, o que se pode fazer? Eu era sempre voto vencido e quase enfartei discutindo conceitos com vizinhos."
O professor da Universidade de Brasília Antônio Carlos Carpintero, que dá aula sobre a arquitetura da capital, disse que o Iphan poderia ser mais rigoroso e impedir excessos.
"A estética modernista está virando kitsch e isso, a longo prazo, é fator de desvalorização. Está se trocando uma grife Oscar Niemeyer por uma grife Zé Pedro qualquer."
Algumas mudanças vão além da estética. Por falta de fiscalização, pilotis (colunas que sustentam os prédios e mantêm os onipresentes vãos livres no térreo) foram gradeados e transformados em estacionamento.
De acordo com o Iphan, que intensificou a fiscalização nos últimos meses, os pilotis são públicos, o que impede a colocação de grades.
Defensor da manutenção de prédios marcantes da cidade, como os da quadra 308 Sul, o arquiteto Hélio Albuquerque diz concordar com reformas radicais em prédios sem "importância arquitetônica", como ele classifica o que mora, na 211 Sul -as "asas" do Plano Piloto são divididas em quadras.
Antes da mudança, os blocos B e C da quadra tinham esquadrias e pilotis simples. Hoje, são revestidos de granito e as colunas ganharam capitéis (ornamentos superiores) de gesso. "Se não tivessem protelado tanto as obras na cidade, não teríamos reformas tão evidentes." A modificação no prédio foi, de acordo com Albuquerque, emergencial.
Ele justificou que a escolha pelos capitéis foi opção barata de esconder rachaduras. O granito, diz, dura mais que a pintura e evita mudanças periódicas na cor da tinta.
Ainda em fase de projeto, um edifício da 112 Sul pretende retirar os cobogós da área de serviço. Estrutura comum na cidade, são blocos vazados feito em cimento que permitem passagem de luz e ar -e poeira, causa de reclamações de moradores.
A última obra de Niemeyer construída em Brasília, a biblioteca do Conjunto Cultural da República, tem uma das fachadas inteira em cobogós.


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